quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Pérolas e Sementes



Pérolas e Sementes


Um sol cria sua ferida de luz entre o coração e as retinas

e uma clara chama incinera sonhos desfazendo-se com eles.


Por caprichos de fênix, sem efeitos colaterais

dancei labaredas fingindo serem fogos de artifício

e purguei o paraíso em conta-gotas

para mobiliar um inferno entre meus dedos

que plantavam pérolas, pensando colher sementes.


O Amor, fluente em todas as linguagens,

embaralha verbos num dialeto invernáculo

onde nada mais se compreende

senão a geografia irregular dos sentidos e sua completa exaustão,

em que nenhuma outra loucura se conjuga

senão a ousadia míope de abandonar a segurança dos mapas

mesmo quando a tênue clarividência previa temporais

em seus oráculos de navegação.


No centro do furacão, onde nada é ameno

o imperativo absoluto é o rodopio.

Quando tudo para, a tontura e a vertigem trazem a impressão

de que o mundo continua girando cálidos dervixes

para além da música dos ventos e tempestades à risca.


Atordoado ainda pela clava do condão

continuo polindo sínteses de suas arestas

pela veracidade do ouro que nunca mente

e que a tudo acende e ascende.

Mesmo no breu da noite

sua lucidez permanece espontaneamente presente,

inerente à sua verdade e natureza:

Um jato de luz e ele brilha num passe de mágica

como um buda.


E é então que o pequeno modelo para uma nova fênix

se instaura, desta vez criando asas

e abraçando precipícios por inteiro,

conjugando mares e cornucópias.


É ali que os frisos dançam iludindo cronos

e os escudos dos curetes retinem suas lâminas de guerra

para proteger um zeus ainda inocente e menino

da fome voraz do tempo que a tudo devora.


Sem multas ou desvantagens

a caligrafia dos olimpos será reinventada infinitamente

pela contramão rebelde de Urano, filho da luz e do éter

de quem, mesmo que pelo avesso da ordem e desordem

deuses, titãs e heróis procedem.






segunda-feira, 17 de junho de 2019

A Mandala de Cinzas



A Mandala de Cinzas


A resina dos incensos espalha sua essência

por ceder resignada à combustão de seu destino

disseminando, estratosférica, todo um percurso em alcances.


Apenas o tempo para conjugar os fatores no infinitivo

em seu espartilho de vidro e cinzas

sem métrica alguma que lhe seja cúmplice.


Em contagem regressiva

também os foguetes são lançados

para além da gravidade

como se a areia fosse uma experiência imperceptível,

independente da posição

em que a ampulheta do acaso estiver.

Num palco inafiançável por marionetes invisíveis

a vida, urgente coreografia

deverá ser irremediavelmente dançada

mesmo que jamais compreendida de antemão:

Impreterível esgrima sem máscaras.


Mesmo que o cenário todo se insurja

e seus atores colapsem, é este o preço.

Moedas de sangue

sem qualquer possibilidade de câmbio,

no mosaico longínquo da pavimentação.


Voar é uma questão de escolha


Sejam reis ou escravos,

todos sustentam o gosto cru

da mesma prisão sem portas.



sábado, 23 de março de 2019

Qibla



Qibla

No fundo da bateia permanece o que é essencial.
E a raspa do tacho se permite brilhos inesperados.

O garimpo de existir não teria sentido
sem o preço do suor e da lágrima.

Do sal que compõe essa alquimia
vem a prova de que há um oceano por dentro.

Sem ondas para movê-lo,
ele seria nada mais que um lago calmo
mas sem vida marinha para sustentá-lo
na verdade e grandeza de seu ecossistema
sem fronteiras.

Abençoados os ventos que provocam tempestades
movendo arestas e desterros.





quarta-feira, 6 de março de 2019

Avalanche


Avalanche


No mar bravio dos seus olhos sem âncoras
de quem destilou um céu em plena travessia
e num par de armadilhas para rebobinar
passarinho cantou de trás pra frente
sua presença irreproduzível
onde era eternamente uma vez

Ainda na obscuridade da superfície
conheceu, com certeza,
toda a clareza dos abismos
ocultos na dimensão das estrelas

Criar talvez seja mesmo
atravessar o aço do espelho
em detrimento da quebra de todos os paradoxos.

Só por risco,
rir para cima
como nas embalagens:

Cuidado:Vidros