sexta-feira, 26 de junho de 2015

Das alcachofras fosforescentes e mais nada...



Ecossistemas

                                                                  A uma migalha de pão

que deixada para uma gata
 permaneceu impune no muro,
intocável

 Bichos matreiros e sagazes,
não se ganha um felino nem com o melhor padeiro
se não houver confiança mútua

E ela se foi por outros muros
outros quandos...

Mas um beija-flor de imediato
em fios de eletricidade
avistou curioso
em telégrafos de assobio

Depois
assustado por algum ruído
voou para flores mais próximas

Rimas não mentem
Todas. Em sufixos e prefixos

Minutos para que um exército de formigas
viesse em valhalas buscar provisões.

Uma fila delas pelo muro,
trouxe o beija-flor de volta em arpejos.

...E a gata
que atacou em golpes de trapézios
sem alçar zás de passarinhos!

Ciranda

As alcachofras fosforescentes
assistiram tudo isso junto ao entardecer
pelos muros do hospício

Viver as palavras como enigmas
 decifrando a vida em parábolas sem fim

...sempre por ser contada
sem desfechos ou prelúdios
sem amarrar conclusões
que não condizem,
apenas reticências...






quinta-feira, 25 de junho de 2015

Ciranda Muiraquitã



Ciranda Muiraquitã
                                                                    a João Guimarães Rosa

Era uma vez uma concha que abrigava em seu íntimo calcário
Toda a imensidão do Oceano em noites de estrelas.
E os navegantes incautos que tocaram sua branca superfície 
Ouviram histórias de ondas e mares distantes
Que sua voz de tímpano contava
Sobre marinheiros de ébano curtidos a sol e sal
Em bravura de beleza embriagada.

E a concha abrigava em seu íntimo todos os sete mares
E a imensidão dos olhos do menino que lhe encantava mineral, o fado.

E contava o menino aos almirantes a postos
Da concha que era o próprio mar em que estavam e ouviam...
E em suas canções de criança
Todos os oceanos eram resposta clara à sua voz:
Arcanjo Gabriel quando chamou Maria.

E todos os oceanos a postos se continham gotas
No interior da concha acústica de cálcio. Puro desejo.

E vai que um dia o menino acorda em outra concha
Por direito de lenda ser e agir de acordo.
E a concha...

Mas qual delas, diria o poeta para além da história
Com sua voz, também de anjo...

Dizem que mesmo em sagas assim difuso
Um deus movido a sol e sal
Mostra-se Rei. E é tudo.

Pouco sabemos da natureza fugaz da criança
Que tece mistérios que nem o mar comporta.

Mas sabemos o gosto do Absoluto
De sabor inconfundível, fantástico e exato.

Além do mais, ele era boto, almirante e Netuno.

E era menino, sabia tudo.


domingo, 21 de junho de 2015

A Terceira Visão dos Tuaregues


A Terceira Visão dos Tuaregues
                                                                     "For contemplation hee and valour formd
                                                                              For softness shee and sweet attractive Grace,
                                                                   He for God only, shee for God in him."
                                                                                                 Milton - Book III - Paradise Lost

Guarda o coração, esse tesouro,

não como baú de segredos

mas uma chave-mestra que possa abrir todas as portas

e ultrapassar tanto degredo

daquilo que nunca foi tragado pela distância.


Séculos ocultos em caixas de Pandora

seriam um colapso à arquitetura fria dos relógios.


O visível é apenas um repertório de mentiras

que o mundo desfia num rosário de miragens sôfregas

e os homens imprimem ao longo de sua história

paramentados em cega liturgia de ruídos.


O cenário do paraíso dispensa muros na paisagem

tudo está perto e palpável como no primeiro dia dos mundos

sem nada que separe a cálida surpresa da aventura

de sua realidade suprassensível aqui: pura fábula!


(Entre um pulsar e outro

o miocárdio abriga em seu útero livre

a possibilidade de todos os aeroportos!)


Um rio que já tivesse cumprido seu fado de oceano,

tudo às avessas, como séculos ocultos em caixas de Pandora

sendo um insulto à arquitetura fria,

ainda que magnânima, de todos os relógios!


Big Ben

Big Bang 

Tanto faz!


Intermezzo:


Ela cantou:

O tempo não volta: enlaça!


E ele em baixo contínuo:

Amor que não estanca, abrange!


Luz através das varandas!

(Cena do Balcão em Romeu e Julieta)


Intraduzíveis sentinelas

da grandeza do espírito

que não conhece tempo, espaço, vida ou morte

os livros sagrados são cantados,

na busca da irreproduzível linguagem do eterno.


Ariadnes em prelúdios

intercedam fios nessas meadas de presságios,

contos de fada à guisa de faróis,

e deuses que nos mantenham neste mesmo porto

de nenhuma conclusão,

onde o pensar em qualquer partida

já é em si mesmo uma conquista

e o tratar de ser luz, seu único parâmetro.


Enquanto isso, berbere

atravesso tudo a pé, tamaxeque

num voo rasante pela amplitude do vale

triturando uma nova poção mágica

para extrair todos os fôlegos num só golpe:


Tablacadabra