Pérolas e Sementes
Um sol cria sua ferida de luz entre o coração e as retinas
e uma clara chama incinera sonhos desfazendo-se com eles.
Por caprichos de fênix, sem efeitos colaterais
dancei labaredas fingindo serem fogos de artifício
e purguei o paraíso em conta-gotas
para mobiliar um inferno entre meus dedos
que plantavam pérolas, pensando colher sementes.
O Amor, fluente em todas as linguagens,
embaralha verbos num dialeto invernáculo
onde nada mais se compreende
senão a geografia irregular dos sentidos e sua completa exaustão,
em que nenhuma outra loucura se conjuga
senão a ousadia míope de abandonar a segurança dos mapas
mesmo quando a tênue clarividência previa temporais
em seus oráculos de navegação.
No centro do furacão, onde nada é ameno
o imperativo absoluto é o rodopio.
Quando tudo para, a tontura e a vertigem trazem a impressão
de que o mundo continua girando cálidos dervixes
para além da música dos ventos e tempestades à risca.
Atordoado ainda pela clava do condão
continuo polindo sínteses de suas arestas
pela veracidade do ouro que nunca mente
e que a tudo acende e ascende.
Mesmo no breu da noite
sua lucidez permanece espontaneamente presente,
inerente à sua verdade e natureza:
Um jato de luz e ele brilhará num passe de mágica
como um buda.
E é então que o pequeno modelo para uma nova fênix
se instaura, desta vez criando asas
e abraçando precipícios por inteiro,
conjugando mares e cornucópias.
É ali que os frisos dançam iludindo cronos
e os escudos dos curetes retinem suas lâminas de guerra
para proteger um zeus ainda inocente e menino
da fome voraz do tempo que a tudo devora.
Sem multas ou desvantagens
a caligrafia dos olimpos será reinventada infinitamente
pela contramão rebelde de Urano, filho da luz e do éter
de quem, mesmo que pelo avesso da ordem e desordem
deuses, titãs e heróis procedem.