Nada...
ter a consciência febril dos perfumes,
a qualidade quente e úmida da floresta
e a aceitação de cada nova estação surgindo intensa.
Lastro
(Sobre o mudo vasto do mundo)
Somente hoje a atmosfera rarefeita dos meus verbos em transe
conjugou o tempo necessário e desconhecido
para atravessar espaços...
Eliminei a primeira pessoa dos pronomes,
assim como perdi todos os subjuntivos.
'Nós' será sempre um novo modo a ser inventado de agora em diante.
Reticências que me conduzem ao asfalto dos caminhos em atalhos
criam a gramática própria das encruzilhadas
com a leveza dos percursos imediatos
que prescindem de narrativas...
Não há acordos ortográficos para o despertar.
Cheguei cedo ao porto de nenhuma conclusão:
o mais possível itinerário é partir sempre.
Trouxe por isso um lastro para este barco à deriva.
Meu mar tornou-se Um junto a meu leito de rio.
Navegar hoje é conhecer incondicionalmente da foz à nascente,
viver cada passo da hidrografia
com a surpresa dos mapas em êxtases
enquanto o país interior emaranhado de estrelas
traça em terra a imitação de cada nebulosa acima.
Tempo de balés descrevendo minúcias
que jamais ousaria colocar
no mesmo compasso coreográfico das constelações.
Deus dá os mapas em favor do suor diário em corpo e alma.
Enquanto isso, na cena aberta...
Em degradé o oceano prolonga o mesmo azul do céu
sem resposta alguma das marés de porventura.
Abrem-se as cortinas em ondas.
E os passos descrevem a rota nas areias desta tarde desde sempre
com o eco do destino sendo o fim de alguma praia desconhecida.
Nada permanece.
Meu palco hoje é transbordado: uma parede de água
onde um filme está sempre a ser projetado
para o delírio dos peixes transeuntes
em cumplicidade com os mergulhadores e o peso do escafandro:
Cruz de cada um...
Atmosfera da criação por demais rarefeita
que às vezes embriaga e às vezes é um ar que sufoca:
mas oxigênio suficiente
para desfrutar momentos como obra divina e graça.
Paisagem submersa.
Em instantes posso vislumbrar
numa bola de cristal transparente
passado, presente e futuro pelo vidro da máscara.
O cenário sempre desmente a dramaturgia real.
Ainda assim o destino é sempre a última cartomante.
Encontro Caronte com a mesma intimidade
de quem adentrasse uma tenda disposta ao acaso
numa tarde de circo em dia de domingo.
Por desmerecimento geográfico a cena é única,
tudo acontece num átimo de amarelinhas entre céu/inferno.
A alma da fantasia tornou-se meu mapa.
Minhas roupas são as flores
que colhi nesta manhã de nudez suprema
com o jardim ainda molhado pela neblina.
Tudo está por ser recriado a todo instante.