quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Misterioso



Misterioso

                                             (da Suíte dos Relógios)

Lendo a vida como a trama de um tecido
onde o motivo desaparece nas margens
e cujo ângulo a visão não alcança
mas o destino persegue impiedosamente
no panorama muito além do viés.

Da mesma forma que a mitologia
 costurando plenitude e sentido
mesmo com a morte dos heróis,
assim também meu coração
resgata latejante cada momento seu
com o gosto de uma lenda ainda por ser narrada.

Impulsos.

A vida repete o mito.

Nós mesmos teremos de nos reinventar heróis
e escrever na pedra a saga inédita
que até agora ninguém jamais pôde ler
e decifrar no corte preciso dos cinzéis
ou limites vazios e efêmeros da moldura.

Assim ergueram-se a pulso 
as pirâmides e os obeliscos
e a matemática fez-se visível mais uma vez
confirmando mistérios sutis entre arestas e céu.

Hieróglifos não conhecem medo
nem dialogam entre si;
o que lhes dá sentido é a morte do tempo
e a permanência do espaço que se abre em visões
cujas marcas a vida torna legítimas a cada dia:
esfinge de corda e constelação,
exílio telúrico de uma sede que nunca tem fim
nem planos.





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