Canção para um novo inverno
Enquanto o jugo puído pelo roto punho do mundo
impõe camisas de força
pagas em moedas de sangue e balões de oxigênio,
para assombro dos fantasmas
eu vivo e respiro da minha nudez interior,
completamente em paz com o inverno que se anuncia.
E tudo se congrega na mais absoluta resignação,
sem qualquer hierarquia. O inexplicável continua ambidestro
dialogando comigo tanto a direito quanto na contramão
na sucessão de incontáveis eventos
que somente a imparcialidade do retrovisor
pode entender e alcançar de braços abertos
alternando no mesmo cálice sua cruz e redenção.
Há muitas estações abandonei a segurança das vias pavimentadas
pela aventura sublime da mata fechada
abrindo atalhos para o interior da selva densa
contando apenas com a sabedoria inexorável das lâminas
e a exaustão completa de todos os relógios,
Assim, mesmo sem a permissão dos semáforos
ou sinalização demográfica
abracei definitivamente a maratona dos desertores
sem bússolas nem astrolábios,
somente o beijo úmido e cúmplice da floresta
atirado de viés pelo silêncio do indicador.
Raramente dedos em riste apontam para a liberdade.
Entre aborígenes e bumerangues
a verdade está na curva.
Não há linha reta ou diâmetro
entre deuses e homens.