quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A Tempestade

 


A Tempestade

 

Trouxe a fome com um pão embaixo do braço

acalentado como um filho que se cria aos poucos

com águas de chuva e esgares das neblinas nos picos cinzentos.

 

Ouvi por sussurros nos degraus do bazar próximo ao minarete

que dois cegos brigaram por uma moeda atirada por malícia

e que mercadores riram enquanto se engalfinhavam

como dois gafanhotos para não se perder de seus golpes surdos.

 

Enquanto subia, raios anunciaram em faíscas ameaçadoras

o estrondo de trovões arrastando móveis sobre nuvens negras.

 

Distribuí minha clemência àqueles que me viram com o fardo

e correram como sombras seguindo meus passos pelas paredes

até que a tempestade veio e lavou os degraus, as ruas e teu sangue negro

e a vida se viu limpa e imaculada novamente por alguns segundos

não sem provar antes da gargalhada sinistra que vinha de dentro dos muros

em idiomas confusos repletos de orgasmos.

 

Meu coração foi meu apenas por alguns instantes...

 

A tempestade que lava tuas pedras não apaga o pecado

de ser a santa mais cobiçada e mais profana

pela sagrada ambição dos que dizem te amar.

Antes, eles te apedrejarão e te devorarão na sanha mais animalesca

que um dia puderam inventar em suas mentiras impronunciáveis,

hálitos de pedra onde até o nome de Deus

se esconde na calúnia de suas línguas.

 

E depois de declarada a guerra…

 

Haverá uma réstia de esperança perdida atrás de alguma porta?

Alguém abrirá finalmente esses portões para o cadafalso dos canalhas?

 

Soarão as trombetas do apocalipse apenas na forma de alarmes de bombardeio?

 

Seremos nós a cantar, alheios ao presságio de outras vidas,

a recorrência de pesadelos que esquecemos nos buracos negros,

de onde nem o pior dos hipócritas renascerá um milímetro melhor?

 

Minha clarividência é um tornado em face à cegueira estéril

de sua guerra planejada, de seu sangue vendido poluído de infernos.

 

Em seu campo minado minha santidade calça botas disfarçadas

que imprimem pegadas de caipora e não deixam pistas para os lobos.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.