terça-feira, 18 de novembro de 2025

A Vitória de Epidaurus

 

A Vitória de Epidauros

 

Um fragmento de pedra, sem asas ou membros

a Vitória de Epidauros ainda voa em nossa direção...

 

Como todas as nikes descendo degraus imaginários

que nos resgatam em aeroplanos

ela vem até nós, incógnita,

sem identidade alguma no tráfego da vida

buscando nossa alma sem chamar ninguém pelo nome

bálsamo sem reservas, translúcida,

regendo a vida outra vez num sétimo sentido

do qual nunca ninguém ouviu falar.

 

O mar parece maior a cada dia...

 

É necessário certo grau de sofisticação para ser simples.



 

 

Lâmina

 

Lâmina

 

Enquanto uma criança puder cantar

haverá esperança. Os labirintos serão extintos

e o sussurrar do vento revelará portais que se julgava

adormecidos para o dia irreproduzível,

insuportavelmente iluminado e febril

que percorre perene a vastidão desta montanha

onde os deuses sorriem perto

e os maladarins dançam flores.

 

Ele surge do visor de seu elmo

esquadrinhando meus sonhos de improviso

como se fossem métodos de costura

cerzindo a vida de forma racional e estática

em sua armadura que deveria ser de seda

com motivos de colibris na primavera dos setembros

ultrapassando em meteoros mundos do avesso para o direito

sem lógica de vieses ou tramas mal contadas

que lhes desse qualquer plano de voo ou de discórdia.

 

É agora que meus assobios em pétalas transformarão ferro em brasas

nessa guerra de ilusões sem vencedores nem pilhagens

onde os espólios serão as máscaras do diabo

caindo sem sequer fazer alarde ou deixar sequelas.

 

Tudo será entregue, como o bumerangue de uma cruz órfã

sem condenados que a carreguem nem ressuscitados que ultrapassem

as divisas entre a liberdade e o sono recorrentes deste saque.

 

Há uma visão que não pertence à ordem dos jogos clarividentes

que os cegos conduzem do banco dos réus

pretendendo o juízo final dos que tem sede de justiça

mas que estão mancos de coragem para saquearem suas ruínas

e prevalecerem livres, isentos à brisa da cidade sitiada

e dos estandartes trêmulos de farrapos singrando tênues vitórias

sobre cadáveres esquecidos no valhala de seus medos.

 

É desse mesmo campo minado de sangue e ossos

que um jardim de tulipas vermelhas e lírios sublimes se erguerá alerta

sublinhando o tempo e a vertigem de olhar através,

alterando as lentes e as lâminas em células e estrelas.



domingo, 12 de outubro de 2025

Os Mistérios de Samotrácia, Lemnos e Imbros

 

Os Mistérios de Samotrácia, Lemnos e Imbros

 

                                      “Eles são deuses! Mas maravilhosamente estranhos,

                                      Sempre fazendo suas formas mudarem,

                                      Sem que saibamos o que possam ser.”

                                                                              Goethe, Fausto, Parte II, 8075-77


Todas as Vitórias, leves, em brisas

vêm descendo os degraus para nos buscar por dentro

ao encontro de nossa liberdade:

ninfas prestes a celebrar suas núpcias

com algum semideus que acorde do silêncio dos frisos.

 

Orgasmos de bocas e púbis sussurrando enigmas

nas pedras do tempo. Suor sem algemas!

A seco, pelo molhado eu sigo seu perfume.

 

E sinos repicando corações delinquentes

como a onda que bate no meu peito Noto

que num mergulho sinto que é o mar inteiro

de um vento forte e salgado em maresia relinchando nas narinas...

 

As luzes alcançam pontos de intersecção

sinalizando a estrada paralela à praia

e que ninguém sabe para onde vai,

exceto pelo aroma inebriante de tomilho e lavanda

incontestes riscos de violeta vistos daqui

em lampejos raros, fugazes e telegráficos!

 

Eu só sei o caminho até o farol porque ele é tão inegável

quanto o sol no zênite de um gato preto

brincando livre num mesmo céu de enésimas potências!

 

“Ser gerado pelo mundo, moldado em luz,

fortalecido pelo Sol com todo o poder da Lua…”

 

A seco, pelo molhado

minha sede é de urgência e até na contramão eu te persigo!

 


quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Sounion

 

Sounion

 

E na linha do horizonte,

colunas dóricas, como grades negras

sustentam um céu vermelho no fogo das nuvens

e a vida se ergue novamente,

flor ou templo, semeada ou esculpida

no mesmo destino inevitável de continuar

que os obeliscos têm.

 

A poesia é um pássaro no deserto.

 


quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Telescópios

 

Telescópios

 

Sob o céu da minha boca

palavras perseguem pensamentos aos meteoros

enquanto sobrevivo a mim mesmo.

Miro o rastro mais humilde, mas jamais cadente,

que como lava de vulcão, magma, seiva

risca o denso escuro azul e diz:

as estrelas são por dentro!

 

O sol em respostas de outono

nas folhas que tingem a estrada espessa de ferrugem

vai de encontro a outras primaveras

onde abelhas e flores e umidade se perguntam.

 

Árvores de mil olhos enxergando satélites

e corpos celestes brilhando há tanto tempo!

 

Rútilas, elas também olham para dentro da terra e de nós mesmos

adivinhando em resinas cítricas

a qualidade e direção das galáxias livres

circundando mundos e mandalas

através de muitas vidas e apesar de tantos corpos,

rosário contínuo emudecendo corredores...


Tudo numa única nota que ressoa deuses transparentes

coexistindo num mesmo universo em pináculos

desta ilha que simplesmente respira

o som de uma mesma constelação

luzindo dentro, microscopicamente,

ampliada em magnitudes e vácuo,

voz de floresta em diversos sentidos.


É assim que Deus reverbera.

 

                                                                  Corfu 03/08/25

 


domingo, 6 de julho de 2025

Plêiades

 

Plêiades

 

Translúcida voz que vem dos veios

onde meus verbos refletem versos e rimas

de perguntas sendo as próprias respostas

em reticências e pontes ligando dois amanheceres.

 

A criação, que almeja reflexos

a exemplo de imagem e semelhança,

busca no barro a divindade respirada

e no lago, a placidez do céu impressa.

 

Assim, o mar reflete o alto

para os argonautas de régua e compasso

e o mastro como obelisco rege o firmamento:

rito de incineração e passagem do humano para o mito.

 

Mísseis não podem apagar estrelas...

 

Enquanto sereias induzirem ao naufrágio

eles atravessarão a noite na constância de seus remos,

surdos à ilusão silenciosa do abismo,

heróis confrontando enigmas apenas pelo suor de sua lida.

 

Essa mensagem se auto apagará no prazo de validade,

mas a saga que ungiu seu tempero de vida entre as ondas,

permanecerá no sal do tempo,

diluída entre as estrelas e os deuses sempre alertas,

entrevista num dorso adamascado de breu e oráculos.

 

As constelações marcarão rota e hora

na aurora das canções imaculadas que eles trarão,

frescas e tenras como no primeiro dia do Gênesis

quando um gosto de Deus andando sobre as águas

permeava tudo, esperando as garatujas, borrões e andaimes

de ninguém menos

que Michelangelo Buonarroti

cumprindo tudo à risca, devolvendo horizontes.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Gárgulas

 

Gárgulas

 

Sete vezes circundei a grande estupa num dia de chuva

e as contas corriam meteoros entre meus lábios e meus dedos.

 

Meu barco de papel infundável

trazia de proa a popa

coisas escritas sobre a flexibilidade

do mundo submarino a alguns pés abaixo

enquanto a guerra devorava as praias da Palestina

em corais vermelhos nos arrecifes, rubros pela asfixia

de gritos que se calaram

entre tramas e urdiduras:

cadafalso que suas gargantas jamais planejaram cumprir.

 

Nem mesmo os gumes afiados das minhas facas

podem superar parabélicos, o corte exato e calmo

da lâmina flamejante da espada de Manjushri.

 

Indra tece pacientemente

o teor dos dias que ainda estão por vir…

 

O mundo, que sempre se ergueu às custas de sua própria derrocada

assiste impávido o mercado de ações do seu preço

despencando loucamente o abismo dos homens.

 

Houve um tempo de vinho e rosas

e os tapetes falavam e voavam entre as videiras

na época da colheita das últimas uvas.

 

Mas isso foi há muito tempo...

 

Desde então a umidade imprimiu bolor em nossas retinas

e nunca mais houve primavera.

 

O sol se ergue todas as manhãs quase por descuido

conferindo se ainda há algo sobre o que brilhar

e as gárgulas espiam o tráfego sonolento dos réus

arrastando correntes de escuro pelas ruas condenadas em ruínas.

 

Eles reconstruíram Notre-Dame.

No entanto, os anjos ainda não voltaram para as naves.