quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Gárgulas

 

Gárgulas

 

Sete vezes circundei a grande estupa num dia de chuva

e as contas corriam meteoros entre meus lábios e meus dedos.

 

Meu barco de papel infundável

trazia de proa a popa

coisas escritas sobre a flexibilidade

do mundo submarino a alguns pés abaixo

enquanto a guerra devorava as praias da Palestina

em corais vermelhos nos arrecifes, rubros pela asfixia

de gritos que se calaram

entre tramas e urdiduras:

cadafalso que suas gargantas jamais planejaram cumprir.

 

Nem mesmo os gumes afiados das minhas facas

podem superar parabélicos, o corte exato e calmo

da lâmina flamejante da espada de Manjushri.

 

Indra tece pacientemente

o teor dos dias que ainda estão por vir…

 

O mundo, que sempre se ergueu às custas de sua própria derrocada

assiste impávido o mercado de ações do seu preço

despencando loucamente o abismo dos homens.

 

Houve um tempo de vinho e rosas

e os tapetes falavam e voavam entre as videiras

na época da colheita das últimas uvas.

 

Mas isso foi há muito tempo...

 

Desde então a umidade imprimiu bolor em nossas retinas

e nunca mais houve primavera.

 

O sol se ergue todas as manhãs quase por descuido

conferindo se ainda há algo sobre o que brilhar

e as gárgulas espiam o tráfego sonolento dos réus

arrastando correntes de escuro pelas ruas condenadas em ruínas.

 

Eles reconstruíram Notre-Dame.

No entanto, os anjos ainda não voltaram para as naves.



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