sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Diâmetros




Diâmetros

                                                            a Maria Lucia Merola


Outra vez, antes de amanhecer

recolhi na toalha de mesa esquecida ao relento

a fria claridade bordada no tecido das constelações

que luziam cúmplices o cobalto da galáxia o tempo todo

enquanto eu dormia.


...umidade traduzida numa bênção...


Cedo, o firmamento é como um rosto mais próximo de estrelas

que um beijo íntimo mergulha no azul profundo antes de acordar o dia:

o amado a despedir-se...


As flores perto, frescas ainda do ar noturno,

revelações cósmicas de orvalho

vivendo o imediato necessário

para captar seu tempo de cor numa aquarela fugaz

enquanto o universo continua a respirar eternidade

numa abóbada ilusória onde tudo é igual,

onde tudo se respira em matemáticas diferentes

sem qualquer medida.


Um homem se ergue perante o Absoluto

e vê o mistério tornar-se aparente numa redoma que se quebra.


O que está acima é igual ao que está abaixo

e nosso xadrez, inequação de fórmulas obtusas

multiplica-se entre regras e chão.


Olhei um último fio de noite que vibrava

com a lua em pleno zênite demarcando a neon

seu compasso gelado, claro e amplo nas pedras do jardim:

ogiva refletida


Rápido, o fim de um astro riscou o céu por faísca de segundos

no corisco definitivo de um sorriso:

tetos de Da Vinci, coração do poema.


Quem teria visto esse trajeto além de mim,

testemunha quieta do sereno que não traguei durante o sono

apenas para despertar agora em rastro luminoso

e receber a resignação do movimento ômega

de um corpo celeste incidindo direto no meu peito

num percurso de sol em apótemas.


Fria claridade.


Desde então aprendi a cantar com o silêncio.


Notas criadas a partir do nada me trouxeram lições apreendidas

por itinerários de deserto sem provisões, quando caminhei em círculos,

considerando que a meta era atingir o núcleo da esfera

sem saber a dimensão do meu através:

plano que não chegara a sólido em percepções.


Apanhei da areia cada maná que a voz de Deus me respondeu em pérolas

e sua compreensão, como a manhã que veio depois

velada num anel de ouro

pela neblina do dia.


O alcance da percepção do sol enquanto esfera

e que nos atinge como um plano de fogo suspenso em enigma de luz

é apenas um símbolo das leis de espaço e tempo

que nossa tradução não corrige nem conjuga.


Hipótese tímida de uma trena que só aprendeu

a rota que vai da extremidade ao centro,

escuro jugo que não se permite percorrer diâmetros

porque não ousa quebrar o espelho de miragens do raio.

Teoremas...


o perfume das flores tem mais verdades

que todos os postulados de Euclides


...vi uma estrela cadente entrando no meu peito

como flor que as cores dramáticas do outono

estabelecem em vermelhos na paisagem das folhas...


A nudez das árvores, que começam a se despir

para renascerem depois,

além da perspectiva alcançável numa estação apenas,

é só uma passagem.

Olho para o jardim florido sem questões

e lembro da cicatriz do verão em sacrifícios para as pétalas

e de como nascer ou brotar

era quase um milagre de dor sem precedentes:

tatuagem exposta nevrálgica na pele da terra.


Nirvana de estrela no ninho do meu peito,

amado que chega: beijo de encontro.

Epifania dos sentidos.


Medidas que nossos cálculos não preveem,

intensidades que nosso padrão não alcança.









quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Bateias & Sedimentos



Cordel de Prometeu

ΓΝΩΘΙ ΣΕΑΥΤΟΝ

(Pórtico do Oráculo de Delfos)

a Maria Lucia Merola


Por mais que me amedrontem os dilúvios

ou que em raios fulminantes se consuma

o dia em que por voluntário infortúnio

decidi pela luz no fim do túnel

repito incólume a função de Prometeu:

ainda que vencido, vingado!


E que a distância tenha sido muita, pouco importa:

mínimos flashes no escuro

nos divisam profundos precipícios.

- Antevisão -

Por vezes desço ao escafandro.


...Receio dos abismos do rio

onde um seixo movido muda todo o percurso...


Sem que me pesem as roupas dos míopes pecados,

testemunhas oculares da lei da gravidade,

invento em couraças que esse preso engenho abissal

seja um titã rarefeito em sonhos de astronauta.


Ainda não alcancei tecnologia de ponta

que subvertesse a ordem das coisas

e me fizesse levitar de volta à superfície.


Meu peso é meu sangue.


Por isso me deixei estar nesse limbo em úteros

ocupando um parto invisível enquanto fico.


Cada mergulho é uma afronta a essa gênese.

Sei apenas o caminho de ida.

A volta é sempre um enigma no sapato:

se me calço, não me caibo.

Quando me vejo, raro me acho
que me dê na gana.


Deixem-me estar, pois, de pés no chão

em asas firmes que sintam o Absoluto
sem voos de cera.


Decifrem agora esse paradigma, homens,

antes de trazer-lhes o ônfalo mercúrio

para gritar mediúnico aqui da margem

que encontrei heroico o metal nesta bateia.


Desse garimpo fiz meu reino às avessas

apenas para inverter a morfologia dos sentidos,

perpetuar meu ouro
como um símbolo de poder e discórdia

e manter um pé de conflito

que me permita olhar pitonís por entre as águas do entorno

através da clarividência do áureo Rhuo,

deus de todos os rios e montanhas magnéticas.

Saber num relance onde se encontram os veios

em oráculos bem guardados de correnteza sem fim:

olhos de águia,
vigílias de coruja,
voos verticais de falcão:

Nada em excesso

                                                                               03.10.13