Diâmetros
a Maria Lucia Merola
Outra vez, antes de amanhecer
recolhi na toalha de mesa esquecida ao relento
a fria claridade bordada no tecido das constelações
que luziam cúmplices o cobalto da galáxia o tempo todo
enquanto eu dormia.
...umidade traduzida numa bênção...
Cedo, o firmamento é como um rosto mais próximo de estrelas
que um beijo íntimo mergulha no azul profundo antes de acordar o dia:
o amado a despedir-se...
As flores perto, frescas ainda do ar noturno,
revelações cósmicas de orvalho
vivendo o imediato necessário
para captar seu tempo de cor numa aquarela fugaz
enquanto o universo continua a respirar eternidade
numa abóbada ilusória onde tudo é igual,
onde tudo se respira em matemáticas diferentes
sem qualquer medida.
Um homem se ergue perante o Absoluto
e vê o mistério tornar-se aparente numa redoma que se quebra.
O que está acima é igual ao que está abaixo
e nosso xadrez, inequação de fórmulas obtusas
multiplica-se entre regras e chão.
Olhei um último fio de noite que vibrava
com a lua em pleno zênite demarcando a neon
seu compasso gelado, claro e amplo nas pedras do jardim:
ogiva refletida
Rápido, o fim de um astro riscou o céu por faísca de segundos
no corisco definitivo de um sorriso:
tetos de Da Vinci, coração do poema.
Quem teria visto esse trajeto além de mim,
testemunha quieta do sereno que não traguei durante o sono
apenas para despertar agora em rastro luminoso
e receber a resignação do movimento ômega
de um corpo celeste incidindo direto no meu peito
num percurso de sol em apótemas.
Fria claridade.
Desde então aprendi a cantar com o silêncio.
Notas criadas a partir do nada me trouxeram lições apreendidas
por itinerários de deserto sem provisões, quando caminhei em círculos,
considerando que a meta era atingir o núcleo da esfera
sem saber a dimensão do meu através:
plano que não chegara a sólido em percepções.
Apanhei da areia cada maná que a voz de Deus me respondeu em pérolas
e sua compreensão, como a manhã que veio depois
velada num anel de ouro
pela neblina do dia.
O alcance da percepção do sol enquanto esfera
e que nos atinge como um plano de fogo suspenso em enigma de luz
é apenas um símbolo das leis de espaço e tempo
que nossa tradução não corrige nem conjuga.
Hipótese tímida de uma trena que só aprendeu
a rota que vai da extremidade ao centro,
escuro jugo que não se permite percorrer diâmetros
porque não ousa quebrar o espelho de miragens do raio.
Teoremas...
o perfume das flores tem mais verdades
que todos os postulados de Euclides
...vi uma estrela cadente entrando no meu peito
como flor que as cores dramáticas do outono
estabelecem em vermelhos na paisagem das folhas...
A nudez das árvores, que começam a se despir
para renascerem depois,
além da perspectiva alcançável numa estação apenas,
é
só uma passagem.
Olho para o jardim florido sem questões
e lembro da cicatriz do verão em sacrifícios para as pétalas
e de como nascer ou brotar
era quase um milagre de dor sem precedentes:
tatuagem exposta nevrálgica na pele da terra.
Nirvana de estrela no ninho do meu peito,
amado que chega: beijo de encontro.
Epifania dos sentidos.
Medidas que nossos cálculos não preveem,
intensidades que nosso padrão não alcança.
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