Alfama
a Magali Merola
A noite trouxe segredos que o dia recompôs em outras cores
de amanheceres raiados atravessando nuances e dourados,
larga viagem para tão pouco amor,
memória vaga e latejante em minhas veias
procurando ainda os antídotos que não pude trazer à tua vida...
Minha lira emudeceu em teus cabelos
e tua metamorfose calou fundo meu coração e meu sangue
a esperar teu regresso, num arco-íris entre meus dedos feridos.
Risquei com minhas facas a marca das tuas pegadas
para despistar dos deuses do destino tua passagem
mas o peito aberto gritou cada passo e te segui.
As palavras do teu fado retornando em ecos ao longo dos meus dias
estremeceram lágrimas nas retinas em adeuses
de meu sorriso esperado
num porto a que já não voltas:
cais mudo das tuas respostas
em navio envolto por neblinas...
Se perdido entre as esquinas da saudade
procurar teu perfume em todas as flores
nenhuma responderá tua voz ou viagem: meu acalanto...
Mas ainda assim, incondicionalmente eu canto!
Se estrelas desenham tuas constelações em meu dorso nu
uma coreografia de luzes se alastra rasgando um céu em cicatrizes.
Teu Paraíso é minha tatuagem.
Tua dor que não se apaga, adormece em meu colo de criança,
teu pulso, uma tarefa cumprida num entardecer revolto
tardio como um ipê roxo em fins de primavera.
Dançaste a vida em supostos sonhos negros,
anjo alucinado em minhas brumas de quaresma,
não respondo por meus versos, véus que me perseguem
em pistas imaculadas pela neve
dessa vida que me derrete pouco a pouco
rarefeita em visões lisérgicas e tênues sem tua presença insone dentro dela:
Redoma.
Moira do tempo, Átropos do que foi palco um dia.
Ísis sem véus e que nunca transgride
a estreita noção entre medo e desejo: mistério desfeito.
Epifanias...
Amor meu, conduz minha viagem que prossegue a pauta agora
sem canções de despedida que possam ousar meu degredo
e que meus olhos não pulverizem presságios que não pude inventar
no primeiro solavanco da carruagem de Elias
que me aguarda à porta da casa bem agora
em seus corcéis arrebatados nesta noite
como no Livro dos Reis...