terça-feira, 6 de maio de 2014

Os Tapetes Voadores de Ahmed


Os Tapetes Voadores de Ahmed

I


Num país fantástico muito distante,

logo no começo de um verão em brasas,

Ahmed, um príncipe fervoroso

também conhecido como 'A Mesquita',

forrou os tetos de vidro de seu palácio

com todos os ricos tapetes que possuía.


Sua decisão causou a migração de centenas de mercadores

que chegaram ao reino

em busca de comercializarem com o belo monarca

um colorido sem fim de Kilins, Kazaks e Shirvans

feitos artesanalmente por uma tradição milenar.


Os súditos, por sua vez, para não tornar a vida palaciana

uma grande conferência de ruídos,

passaram a andar mais delicadamente

sobre os longos assoalhos de madeira

que percorriam toda a extensão do palácio.



II


Ao mesmo tempo,

começaram a sussurrar entre paredes

sobre a possível loucura do príncipe,

que mesmo quando cercado por toda a corte,

sentava-se em seu trono olhando na transparência do teto

o avesso dos tapetes com o deleite solar de quem adivinhasse estrelas.


Mas isso não durou muito tempo.


Certa vez, Ahmed resolveu virar os tapetes

de modo que se visse novamente o delicado colorido das lãs,

tingidas com pigmentos metálicos e terrosos

e que contavam toda uma história de tramas

e percursos geométricos sem fim em seus avessos.


Para comemorar a inversão dos desenhos

ele resolveu dar um grande baile para a corte

numa linda festa de Ano Novo.




III


Todos vestiram suas melhores roupas

e espargiram essências do oriente em seus lenços. 

O farfalhar das sedas, tules e cetins

contrapunha-se aos veludos sensuais

próprios para aquela longa noite.

Logo no início de seu perfumado baile,

Ahmed fez um brinde à beleza

e antes de tomar o primeiro gole de seu vinho embriagante,

elevou sua taça mirando as figuras delineadas em finos matizes

que se debruçavam nos vidros do teto

como num céu de outras estrelas.


Quando a orquestra do príncipe começou a tocar os primeiros acordes,

os músicos ficaram atônitos ao perceber

que todos na corte continuavam em silêncio,

com as taças intactas em suas mãos

a olhar para cima,

encantados com o que um dia

pisaram por descuido e sem zelo algum.


O príncipe sorriu comovido

e pediu que os músicos parassem.


Aos poucos, as pessoas da corte perceberam o silêncio

e começaram a se olhar profundamente

e sorriam uns para os outros,

como se jamais tivessem sido apresentados. 

Depois voltavam os olhos para o alto,

cúmplices do mesmo espírito dos astrônomos e magos

ao descobrirem uma nova constelação.


Foi então que a orquestra começou a tocar uma melodia inesquecível,

diferente de todas as outras ouvidas até então.


E eles começaram a dançar aquela música,

embalados pelo aroma dos incensos

e pelo torpor dos vinhos envelhecidos na madeira dos carvalhos.


Era como se bebessem da floresta e de seu vento

e sorriam uns para os outros... embevecidos.


Na manhã do primeiro dia

Ahmed tomou seu tapete de oração,

subiu à torre mais alta do palácio

e voou em direção à terra dos poetas itinerantes

para tornar-se um dervixe anônimo e feliz.


Os pisos do palácio 

jamais foram revestidos.







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