domingo, 20 de março de 2016

Mare Nox


Efígie

A lenda diz que uma sereia
encontrou certa vez um sapato perdido
entre as pedras limosas da enseada.

Ela fez dele seu ídolo,
construiu um nicho nos abissais
e ofereceu conchas e algas
pensando que fosse a efígie ancestral
de um peixe-deus.


Ad astra



Ad astra

...desejo de perseguir em asas
as mais altas estrelas.”
Virgílio

Um véu
dissimula a linha horizontal do tempo
da linha vertical:
membrana que envolve a densa camada de neblina
que perpassa audiência e trapezistas:
vida em estado de urgência
no circo sempre por começar.

Catracas

Gênesis nas encruzilhadas
sem evidências que apontem direções
a não ser a nudez de cada momento
experimentando novos arlequins
de improviso.

É de viés que tudo acontece!
Viver pode ser tudo, menos um experimento linear!
E o destino, tão oblíquo quanto um raio
toma de sobressalto a lona tosca
que imita um céu aprisionado
entre um número e outro
enquanto a plateia
entredentes 
...ruge.

Nada que a orquestra
aos desconsertos
não soubesse
em ávidos sopranos.

Intermezzo:

Só a ingenuidade dos palhaços
pode ler a tragédia que mente medusas
no reflexo impermanente dos espelhos.

Entreatos

No mais, pura magia!


domingo, 13 de março de 2016

Dom Sebastião: O Retorno


Dorso

Mosaicos de ouro
na luz do sol percorrendo a casa vazia e suas paredes:
relógios outros que os cantos e rodapés não acompanham.

Eu vou à janela dos infantes
nesta manhã de nevoeiro
esperar por El Rey, o Desejado.

E vejo no jardim adormecido
as íris roxas e a hera que cresce.

O passado é uma medusa
que só se pode avistar por reflexos incidentes e transversais
sem risco então de congelar no tempo
um estandarte de dor
em forma de coração.

Para esta primavera de despedidas
não semeei novos canteiros,
assim, apenas as flores mais persistentes germinaram
da fertilidade obstinada das sementes mais fortes
que surgem cores inesperadas
celebrando a paciência e sabedoria do húmus
que por sua vez, aprendeu a dosagem de fermento
com o magma sagrado dos vulcões
que jamais se estinguem.

A diferença entre os seres vivos
é uma questão de densidade.

mosto
malte
restilo
a transparência estática das garrafas
não conhece o decantar dos campos de colheita:
imolação e glória no Valhala




quarta-feira, 9 de março de 2016

Berimbau


Berimbau

                                                                a Naná Vasconcelos

O que vem desse bojo
deixa sempre a esperança
de que a vida seja uma aventura mais do que sensível
e as maiores percepções
tão silenciosas quanto o gosto das galáxias

Viver a audácia sem precedentes
da orquestra inteira na corda de um berimbau
é refletir a vastidão da floresta e seus encantos
sem fronteiras
pura magnitude

É trazer o coração do oceano à superfície da viagem
e ter o mergulho total como a única rota
surgindo da espiral dos redemoinhos
preferencialmente
à linearidade da razão dos surfistas
que pensam caminhar sobre as águas

Seus búzios...
encantos de chuva regendo num flash
o ritmo aceso de trovões e raios
partindo céus e seus abismos

Destino

A telepatia
inimiga dos poetas
entende depressa ao deus-dará
que na beira do mar
à revelia
Escravos de Jó
jogavam caxangá


                                         9.03.16


sexta-feira, 4 de março de 2016

Indra - O céu que nos protege


O céu que nos protege


Quem me ensinou a placidez das esfinges
e a abrangência silenciosa das pirâmides
criou a chave-mestra para todas as portas
permanecendo tão inefável
quanto o calor da paisagem num dia de março.

Os muezins cantam as horas e a ordem
enquanto os radares ardem em revista seus temas de medo.
Quem serão os demiurgos na matrix?

Tudo prossegue impiedosamente
enquanto persigo obeliscos...

A luz que em mim seu céu aponta
em janelas que revelam todos os mistérios
o amanhecer em brasas de seu sol me deu:
mapas panorâmicos em gotas de luz
que prescindem de downloads
ou itinerários.

Rosa dos ventos que brisas não permitiram
por magia demais no corpo dos cataventos,
doces perfumes perseguindo eternidade
para provar que o limite
é o gosto transubstancial
do infinito numa dimensão qualquer,
rio em filigranas que cumpre seu percurso
até um mar que beba seu destino
na conquista potável e nua em sede de dunas,
parte de um grande oceano que a tudo permeia.

A rede de Indra é somente
o sopro transversal de um beijo
no hálito morno aquecendo pedras no deserto,
travessia que perpassa um gosto de degredo
enquanto abraça o exílio do que perto está.

E a distância, apenas referência que aproxima,
mecânica celeste que não conhece
 mar, chão ou estrelas:
puro espaço do qual somos talhados
sem forma, traço ou lugar.