sábado, 26 de agosto de 2017

Balada para a casa vazia


Balada para a casa vazia

Um atalho para a saída do labirinto,
meu pátio é meu desassossego,
aberto púlpito para todos os cômodos vazios acima,
quartos voluntariamente desapropriados
livres de todas as pegadas
olhando vultos que ainda insistem em voltar.

Mar bravio. Uivos nas venezianas.

Vento causticante polindo lembranças e arestas.
Mantras percorrendo pistas,
deixadas pela praia num rastro de escamas
como um netuno que atrasasse a maré baixa
imprimindo brilhos na areia
que as ondas apagarão
antes que se decifre o enigma.

Irônica liturgia divina.


Só ao destino é dado o cetro do martelo como veredito.
As conjunções planetárias
 – látegos para o lombo dos homens –
não passam de sorrisos de escárnio
para a grandeza dos deuses.


Coisas que ficaram impressas como folhas secas
e que encontro ao acaso dentro dos livros.
Olho para elas e não sei de onde as trouxe
ainda que guardá-las tenha sido um gesto estratégico
para me remeter a algum lugar onde estive.


Ineficaz, o passado emerge impotente das páginas
como um cartão-postal sem endereço ou remetente.
Certos truques decisivamente não funcionam.
Viver intensamente muitas vezes não deixa nenhuma pista.
Nem mapas.


Mas tenho visto tudo muito de perto – tão de perto
que crio nuvens de calor no espelho a cada suspiro –
essa necessidade de raspar fundo a bateia no areal
a partir de tudo que precisei reinventar
e manter a identidade visível no reflexo do escafandro,
espantalho amigo dos pássaros,
anjo traído pela liberdade das asas,
poeta inefável.



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