sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Tarab


Tarab

A dor jamais adianta seu tempo de ferida
pelo consolo imediato da cicatriz.

Há um movimento perpétuo que desconhece naufrágios.

Prossigo almirante em meio às tempestades
e não há como adiar o barco ou a viagem
porque o mar dos meus olhos não tem âncoras.

No final das contas, 
meu veneno tem se transformado em seu próprio antídoto
e eu não mudaria uma vírgula desse sangue.

Nem que me sugerissem transfusão.







sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Sol

Sol

                                                      a Ahmed Diab

Por isso e por todo movimento que ronda as estrelas
sua voz é como se mil sinos dobrassem para dentro
e o poder de seu olhar, o risco iridescente das galáxias.

Eu vejo pássaros no seu rosto
contando da transmigração das estações
num voo redentor em forma de príncipe.

                                                              Julho 2018



















terça-feira, 19 de junho de 2018

Mandrágora



Mandrágora

Babel que traz nas entrelinhas seus próprios dicionários,
enviesada, a vida vai folheando e traduzindo seus avessos
no filme imaginário entre espaço e tempo.

O que me faz sorrir por dentro
é esse colo de confidências
que permeia, ilumina e alarga os horizontes.

Tudo está muito perto.
Nossos binóculos é que insistem
em ver a paisagem na contramão.









sexta-feira, 30 de março de 2018

Nácar

Nácar

                                                      a Thomas Dunford


A vida reverbera o mesmo gosto

que a sabedoria indecifrável dos desertos.


Se houvesse para a Esfinge

uma história dinâmica do tempo,

com todo um existir

exibido em apenas oito segundos,

sua revelação seria nada mais

que areia ao redor do mito.


É no subsolo que residem todas as respostas.


Qual sortilégio em arqueologias 

revelaria tal preâmbulo?


Não seria seu olhar adiante,

uma conquista mais plena em significados

que a mera previsão de seu passado

em artifícios?


Que a areia continue a escoar seu funil

pelo estreito espartilho das redomas!


Os astrolábios só desejam mesmo

é beijar um sol por entre as dunas

num batom de ferrugem que possa queimar em silêncios

o metal de todos os instrumentos de medição.



quinta-feira, 15 de março de 2018

Alfanje



Alfanje

                                        a Ahmed Diab
Era uma vez, num trigal dourado,
a vida em acres e hectares.

Em sua gênese,

sulcos revolvidos, marcas e veios

formados ao longo do tempo

que o húmus guardou em véus

de Perséfone, por segredos de abismo

num caminho de conquista da paisagem.

Dos vincos talhados 

que curso e fado do arado mapearam

em rastro de encantos,

sementes germinaram.

E na pista

desse itinerário percorrido

 Deméter foi coroada em Elêusis.


Se olharmos para trás

não reconheceremos mais o percurso

do nosso próprio rapto.

A visão panorâmica é outra.

Hades é um deus tectônico

quando a superfície fértil e febril 

corre célere no filme dos frisos.


Ao longe, do cinzel de um teatro de sombras,

carvalhos imensos cresceram,

recortando a geografia do horizonte

contra um céu único e impávido

e nem sempre o mesmo:

intrépido circo movente.


Desde que a chuva fresca transpirou nossas pegadas

com o suor dos dias e dos fardos

somos agora a colheita dos nossos próprios passos

num deserto sem esfinges.






























segunda-feira, 12 de março de 2018

Pólen

Pólen

                                                    a Maria Lucia Merola


E suportou com bravura 

sua clausura de crisálida

depois de vencer de rastros

 uma corrida de mil pernas 

entre a voracidade das folhas do jardim

e o olhar afiado de pássaros enormes...


Em seguida, 

voou colorido por alguns dias

em sua coroa de coragem, 

feito uma flor que se decidisse em movimento,

cobrindo assim todo um céu de abismos 

em beijos e perfumes.





sábado, 10 de março de 2018

Axis Mundi


Axis Mundi

                                                             a Jean Rondeau


Eu vi um menino correndo no deserto

perseguindo peixes que só as areias conheceram

num oceano que rebenta no meu peito todas as manhãs.


E ele me entendeu com aquele mar azul de olhos 

e disse de seus abissais por entre as nuvens:

Tudo - incondicionalmente - é parte da engrenagem da Luz.


Cumprimos assim a trama no tecido de existir

porque os urdimentos nos conduzem obeliscos

pela única razão do céu que apontam.

Não há destino. Existe é construção.


Quando voltei a Ácaba, já tarde da noite

jurei que nunca mais o canto dos muezins

seria uma garantia de graça ordinária cinco vezes ao dia.

Aprendi então que os minaretes são uma lição de alerta

sobre sermos eternas sentinelas em posição de sentido.


Com frequência

a vida muda em 360o

enquanto teimamos em permanecer a 45

insistindo nos binóculos ao contrário

e vestindo dominós que nunca rimam.


O deserto está por dentro e é dali que tudo começa