quarta-feira, 22 de abril de 2020

À Terra

À Terra

O arado jamais pensou no prazer tenro das uvas

e o vinhedo desconhece por completo

o delírio consubstancial dos sentidos

que num cálice contém toda uma fábula.


O tempo germinou o que um dia foi plantio,

tornou-se colheita e destilou seu vinho depois.


Quando o futuro mostrar-se um projétil no escuro

o solo será outra vez preparado e dele surgirão novos frutos.

A natureza criará mais uma vez

o combustível para alcançar estratosferas

onde os termos de medidas

não mudam apenas perspectivas,

mudam mapas.


Os céus trarão a chuva necessária para irrigar os campos

e a metáfora do suor compreenderá então

a alquimia que custou o amanhecer 

de todos os dias da eternidade!







sexta-feira, 3 de abril de 2020

Taranto

Taranto

                                         A Amyr Klink

Por um gole de água fresca no meio dos juncos,

longe do raso das matilhas, os poemas vão abrindo

vias respiratórias para a vida

criando caminhos sem deixar pistas

compondo voos e mergulhos e descrevendo visões

que nem mesmo drones alcançam


A paisagem marinha se estabelece

Há sempre novos peixes e corais brilhando um sol

que reverbera seu ouro movente pela areia:

serpentes de luz que jamais se cansam

de refletir subterfúgios para fugir de um céu distante



A atmosfera da criação é rarefeita

Ali não há fôlego ou gravidade

É necessário aprender tudo de novo



Perde-se o tapete sob os pés

para herdar o mérito das asas

de todas as conquistas espaciais

através da própria carne

movida assim pelo pulso sem métricas

rimas, notas ou epitáfios



Que eu possa finalmente taconear sobre o tablado

e imprimir meu selo na poeira do destino

que me fez saltar das entrelinhas

e criar meu próprio ritmo dentro do seu avesso

seguindo o ineditismo de outros versos

que trilharão depois mistérios de outra ordem

cuja lógica as veias não sangram

cujo grito resignado solta a garganta ébria dos ciganos