quinta-feira, 21 de abril de 2022

A Voz da Floresta


A Voz da Floresta


O zíper indômito da alma

desconstruindo o vinco da máscara,

dos rótulos e dos vínculos,

desvenda um selvagem inocente

que vive aqui dentro,

desconhecendo o limite claustrofóbico dos muros

e que respira num só trago

toda a emanação úmida da floresta.


Assim, internamente nu,

vestido apenas de amanhecer,

ele sai para conquistar o leito de rio

que o conduz até um mar

sem regras e frações de tempo,

onde tudo acontece simultaneamente

e tudo se congrega, compreende e se acalma

e o profundo se enxerga intacto feito dia.


Com o vasto oceano destilado no peito

seu coração é um sino dobrando a liberdade

em que a luz incide o princípio

de poder andar descalço para sempre

porque o solo foi agora consagrado imortal

e os deuses voltaram definitivamente do naufrágio

trazidos por aquele que domou a volúpia das águas

e transformou os peixes em pássaros que respondem.







sexta-feira, 15 de abril de 2022

Legato

 

Legato


Os verdadeiros alpinistas almejam os céus.


A falta de asas fez com que os homens se apaixonassem

pelo perfil íngreme das encostas

e inventassem a dança para conquistar o espaço alado

entre Deus e o chão.


E assim herdamos linóleos e neblinas.


Para quem os precipícios são degraus,

o coração segue aos tropeços

enquanto as mãos calejam a impiedade fria das escarpas

e os músculos tremem pela escalada até o topo

em suor e êxtase.


Eles sabem que o pináculo

é o ponto mais próximo do nada

cismando reflexos em cristais e gelo.


Píncaros ímpares, sustentem todas as nuvens ao redor

porque na base da montanha ficaram todos os adeuses:

pedras fundamentais de começos,

meios e fins cobertos pela avalanche implacável do tempo.


Moldando leões na neve das rochas, permanecem os sonhos

expiando os rugidos de cada passo rumo ao Dia da Ressurreição,

quando a Pedra Negra falará em favor

daqueles que a tiverem beijado.


E as bandeiras de oração tremerão ao vento

desfiando rosários pelos vales de Indra

como um murmúrio uníssono que se revelará em mil ecos depois

no sopro de um único silêncio,

sem qualquer ruído, sem nenhum sinal.