terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Águias em Nagarkot

 

Águias em Nagarkot


As montanhas são budas

telepaticamente no infinitivo.


E palavras, curtas demais para expressar

a magnitude da larga cordilheira de Langtang Himal

recortando o horizonte com sua espada de luz e claridade.


Mas cento e oito contas de estrelas

podem facilmente refletir a amplitude do céu

que as águias riscam em oração todos os dias

pela coragem e envergadura de suas almas,

espelho de nossa face nas alturas, zênite do espírito:

Samantabhadra e Manjushri.


Nagarkot 6/12/23



quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Ápex

 

Ápex


A doce voz que cantava canções de acordar

para despertar a eternidade no verso dos meus dias

tem sussurrado um fio de esperança que permanece inaudível

porque os dias estão surdos e afogados

numa fumaça turva e confusa de destroços.


Com o coração pelo avesso

pulsa minha alma à procura de sorrisos

que não ousam brotar mesmo em silêncio

e assim meus sonhos dormem esquecidos.


Mas atento, ouço sementes germinando próximas à superfície

como um segredo prestes a ser revelado entre as pedras.


Vulcões ocultam luz em suas entranhas

onde o fogo dos deuses ferve o tempo num ventre negro

que pergunta pelo halo azul por onde a lava responde.


Tudo mais próximo, o nirvana e o caos

num emaranhado claustrofóbico de fios elétricos junto às estupas,

o legado estável de um beijo, dado aos homens que insistem

em continuar sua via crucis de sangue e terremotos.


Que indulgentes, ergam-se da lápide de si mesmos

e celebrem a criança perdida finalmente encontrada!


E principalmente, que permitam jardins ao redor das indústrias e automóveis!


Katmandu, 29 Novembro 2023




terça-feira, 8 de agosto de 2023

À sombra dos ciprestes de Van Gogh

 

À sombra dos ciprestes de Van Gogh


Todo aquele que tiver um obelisco na alma tocará os céus.


No entreato de infinito e fim

talhar a pedra com formas de múltiplos seres alados

tornará os deuses mais propícios e trará o bálsamo das nuvens de chuva

para amaciar o solo de onde se erguerá o cipreste do deserto.


Esta canção é sobre amanheceres inegáveis

de luzes impiedosas, heróglifos translúcidos

e pássaros convictos de claridade

que das cinzas incandescentes,

celebrarão numa atmosfera de espadas e encantos

a conquista das perdas de todas as ilusões, miragens e mentiras.


A rocha de seu talhe não será uma esfinge estática misteriosa.


Ela elevará meu sangue até recônditos distantes

e correrá veloz pelas areias devorando enigmas vermelhos

com seus dentes de sabre e de neblinas.


O leão de dentro ruge meteoros riscando um céu de antigas paisagens

enquanto às margens de um pântano de cicatrizes

com o gancho sábio e mordaz de seu bico

um íbis recolhe calmamente do lodo submerso

o que nutre a viagem silenciosa de seus voos sobre os lagos plácidos,

epigrama de incisões na pedra bruta

perante a qual nem sequer uma folha das margens se move por descuido.





quinta-feira, 27 de julho de 2023

A Pérola Negra

A Pérola Negra


De binóculo sob o céu

um homem só, diante do mar.


E o mar que se vê nunca é o bastante.


Quando o olhar alcança o mais remoto de sua extensão,

além da ilusão do horizonte visível

um absoluto continua distâncias que lentes não concebem,

milagre que não vemos, certeza onipresente que não permite

adiar a viagem por um segundo sequer.


Era uma vez um geômetra clarividente

que enxergava a mentira das proporções nos mapas

indicando o tamanho de países e continentes.


Enquanto isso

o sol que brilha sobre o movimento das águas

cria serpentes móveis de luz nas areias


Pinctada margaritifera e a náusea do nácar:

uma resposta iridescente…

O Belo sempre a postos,

alerta através do conflito.

Tal é a viagem e o mar sem leis

onde nem todos os barcos têm nome ou subtítulos…


Uma ostra de lábios negros cantava

que o divino é um mergulho para o alto,

sagrado pelo oceano a que sempre pertenceu:

vida de voos traduzindo o coração em suas asas.


O pássaro é a cor do instante.






sexta-feira, 26 de maio de 2023

Cadernos de Viagem: Do Porto mais seguro sem âncoras

 

Cadernos de Viagem: Do Porto mais seguro sem âncoras


Seja nos largos abismos dos vales ou no mar horizontal

a visão panorâmica vem de dentro

para encontrar sua face externa refletida

latejando em cada compasso de um coração sem neblinas.


Calam-se os astrônomos

perante o insubstancial Nada

de sabor único, indelével,

pervasivo e espontaneamente presente.

O velho Nada sem qualquer origem dependente…


A forja implacável dos anjos se vale muitas vezes de espinhos

para produzir ressurreições clarividentes.



sexta-feira, 31 de março de 2023

Das arlequinadas do Pierrô Aletrist: A Neblina Púrpura de Varanasi

 

Das arlequinadas do Pierrô Aletrist: A Neblina Púrpura de Varanasi


De viola em viola

Aletrist tanto fez

que acabou tirando Jimi Hendrix de ouvido.


E ganhou o mundo, perdido em brumas.


Esgarçou cordas de alaúdes e bandolins

nos infindáveis amanheceres de Varanasi

até que os acordes de suas invenções

arranhassem o céu dos incensos

junto com a fumaça das fogueiras nos gats.


Escadas pós escadas,

um paraíso após o outro surgiu

para que ele entendesse sem remorsos

infernos e purgatórios

e sorrisse de mãos dadas com sua sombra

apenas pra dizer adeus na próxima curva.


Nesse momento raro e rarefeito

passaram duas borboletas…


Assim, mesmo sem astrolábios,

Aletrist beijou altas estrelas.







quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Das arlequinadas do Pierrô Aletrist: A Viagem com Zirrê

 


Das arlequinadas do Pierrô Aletrist: A Viagem com Zirrê



Dois clowns desempregados,

Zirrê e Aletrist,

cismaram de ir pra guerra

levando um teatro de marionetes

para distrair as crianças dos refugiados.


Com elas aprenderam que a fome não é um títere,

nem todas as prisões necessariamente têm grades

e que as fronteiras podem conter mais paredes que um túmulo.


Mas aprenderam também muitas outras coisas...


Quando voltaram - as fantasias já puídas em andrajos -

eram dois reis silenciosos

cumprindo pena por viver em liberdade.