domingo, 25 de agosto de 2024

Das Arlequinadas do Pierrô Aletrist - Os Zannis

 


Os Zannis

 

Ogivas explodiram ao longe

à guisa de fogos de artifício

e essa era a narrativa dos dias

enquanto davam pães aos pássaros

sem sono para deitarem-se mais cedo.

 

Seus corpos eram deles por alguns instantes

até que voos cobrissem o céu de ruídos

e os levassem do Éden insone que não pediram

até uma próxima estação. Circo Movente.

 

Antes que os sussurros vestissem sombras,

o breu da noite murmurou algum vestígio

e nuvens encardidas vieram lentas

numa sinfonia de milhares de flâmulas

receber o dia que sorriu pela janela

(sim, amanheceu enquanto você dormia...)

do último trem sem dizer adeus.

 

Não havia ninguém na plataforma...

 

Nem precisava. Foram embora assim mesmo,

com as malas cheias das fantasias amarfanhadas pela vida...

 

Vestiram os velhos fardos, rotos e puídos

alegres perante seu resgate de palhaços vencidos

pelo sorriso de dentro sem qualquer maquiagem ou cor.

 

Seriam sempre 'Il Teatro Zanni':

Covielo, Trivelin,

Scaramouche, Pulcinela e Arlequim,

personagens sobreviventes do que fora um dia

um espetáculo maior chamado 'La Commedia'.

 

Trouxeram também um rosário

cujas contas não multiplicavam números primos

e traiçoeiramente subtraíam-se.

 

E foi então que a doideira toda começou...

 

Naquela noite foram rezando picadeiro afora,

elevados em acrobacias sob a lona suja

porque não compreendiam mais a máscara do mundo

e fazer rir perdera totalmente o sentido.

 

Repetiram seus números para cadeiras vazias

ainda que meia dúzia de fantasmas lhes pedissem

que apagassem de vez a luz do mundo.

 

Não o fizeram. Sob o látego do trapézio

imperavam soberanos, muito acima da discórdia da tragédia

que externamente rondava o espetáculo todas as noites.

 

Ali, no oco da viola,

era como se fossem a luz do próprio dia

que mesmo sem concordar, ninguém negava nem via

ou podia desmanchar.

 

Foram heróis porque perderam tudo,

à parte suas próprias lendas: essas cumpriram à risca!

Gastos, vencidos, a maquiagem já borrada pelas lágrimas

mas o olhar altivo no horizonte que sempre se delineava

mesmo que fosse pela linha torta de um rímel

encimando sorrisos pálidos num contorno tênue de batom.

 

Eles tinham dragões por dentro

e queimavam pecados sem que ninguém percebesse.



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