Ogivas explodiram ao longe
à guisa de fogos de artifício
e essa era a narrativa dos dias
enquanto davam pães aos pássaros
sem sono para deitarem-se mais cedo.
Seus corpos eram deles por alguns instantes
até que voos cobrissem o céu de ruídos
e os levassem do Éden insone que não pediram
até uma próxima estação. Circo Movente.
Antes que os sussurros vestissem sombras,
o breu da noite murmurou algum vestígio
e nuvens encardidas vieram lentas
numa sinfonia de milhares de flâmulas
receber o dia que sorriu pela janela
(sim, amanheceu enquanto você dormia...)
do último trem sem dizer adeus.
Não havia ninguém na plataforma...
Nem precisava. Foram embora assim mesmo,
com as malas cheias das fantasias amarfanhadas pela vida...
Vestiram os velhos fardos, rotos e puídos
alegres perante seu resgate de palhaços vencidos
pelo sorriso de dentro sem qualquer maquiagem ou cor.
Seriam sempre 'Il Teatro Zanni':
Covielo, Trivelin,
Scaramouche, Pulcinela e Arlequim,
personagens sobreviventes do que fora um dia
um espetáculo maior chamado 'La Commedia'.
Trouxeram também um rosário
cujas contas não multiplicavam números primos
e traiçoeiramente subtraíam-se.
E foi então que a doideira toda começou...
Naquela noite foram rezando picadeiro afora,
elevados em acrobacias sob a lona suja
porque não compreendiam mais a máscara do mundo
e fazer rir perdera totalmente o sentido.
Repetiram seus números para cadeiras vazias
ainda que meia dúzia de fantasmas lhes pedissem
que apagassem de vez a luz do mundo.
Não o fizeram. Sob o látego do trapézio
imperavam soberanos, muito acima da discórdia da tragédia
que externamente rondava o espetáculo todas as noites.
Ali, no oco da viola,
era como se fossem a luz do próprio dia
que mesmo sem concordar, ninguém negava nem via
ou podia desmanchar.
Foram heróis porque perderam tudo,
à parte suas próprias lendas: essas cumpriram à risca!
Gastos, vencidos, a maquiagem já borrada pelas lágrimas
mas o olhar altivo no horizonte que sempre se delineava
mesmo que fosse pela linha torta de um rímel
encimando sorrisos pálidos num contorno tênue de batom.
Eles tinham dragões por dentro
e queimavam pecados sem que ninguém percebesse.
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