O
Jardim de Borboletas e a Criança Extasiada
Eu
queria um jardim com vista para o precipício
para
confirmar a profundidade a esmo a cada dia
ser
fausto em dia de borralho
com
o demônio em meu encalço
para
propagar um destino de cinderela ao fim da história.
Eu
queria colher minha discórdia
na
forma de acordes dissonantes – um dia eles passam –
só
para poder depois brincar de índio nu em dia de domingo.
Fui
um dia às touradas
e
ali não havia nada.
Só
cornos de mim mesmo:
ser
touro e ser toureiro!
Ser
nada!
E
se calhar com o fado
ainda
me faço audiência
para
concluir essa charada do destino
diante
da ausência de alguma possível conclusão nesse confronto.
É
uma pena
que
o animal transborde os limites da arena
para
depois se instalar crescente
em
meio à massa dos meus dinossauros
e
querer ditar as regras a esta criança
que
de tudo sorri
soberana,
invisível, divinamente indomável.
Charada
De
trás pra frente fiz assim:
conjuguei
todas as rimas e o avesso,
no
que era torto pus um fim
e
recriei tudo outra vez desde o começo.
O
que era cedo voltou tarde
e
os pierrots fascinaram os arlequins com seu charme.
Ali
os contos de fadas tinham código de endereçamento postal.
Poente
Um
oásis a cada momento
e
um deserto inteiro por conquistar logo em seguida.
Sempre
os dois lados da mesma moeda a Caronte
mentindo
sobre a unidade de todas as coisas.
Mas
eu sigo porque meu destino é pássaro
e
todas as portas estão abertas.
Também
as feras, que não medem distâncias,
estão
soltas, já que as jaulas derreteram
perante
os 42° deste
verão que ainda não
passou.
Estou
ou não estou
livre
da Lei da Gravidade?
Por
meu destino de almirante, tragam-me o mar já de volta
para
eu atravessar num golpe, imune à pirataria
mas
poeta iludido voluntariamente
por
toda sereia que surgir em meus ouvidos.
Eu
quero um sol de fim de tarde
para
legitimar o incêndio dos meus sonhos pelas nuvens.
Depois
tudo passa. Somos cinzas...
Mas
só porque antes um sol queimou seu combustível
e
imolamos as ilusões em sacrifício.
Sintonia
entre os astros e os homens,
nossa
única condição é a perda.
Convencer-se
disto
é
este pedaço de régua a que chamamos vida.
A
extensão dessa medida cabe num sorriso de luz,
tão
fugaz e preciso quanto o giro de um compasso.
Puzzle
Queria
incendiar as palavras
para
que elas queimassem fundo no seu coração
de
poeta adormecido
e
tivessem o calor de mil sóis brilhando
no
limite de um único entardecer.
Os
verbos se calam
perante
a visão do vale e de seus verdes,
diante
da amplitude e silêncio
de
cada pequena flor que surge quando amanhece.
Outra
vez sou poeta de tempo algum
e
meu exercício diário
é
brilhar novamente por uma nova manhã que surja infinda
exatamente
como no primeiro dia dos mundos.
O
recurso de métrica e rima não justifica
o
desejo e a paixão que latejam
o
pulsar atento de nenhuma conclusão. Nada permanece.
Acordar
ainda se parece com a última canção de ninar aprendida.
Navio
sem nome, rumo ou discórdia,
não
há faróis em alto mar!
Como
falar do compreender mudo que me trazem as histórias?
Como
acordar da hipnose de mim sem o remorso de tanta coisa por ser feita?
Quanto
valem as esfinges de plantão sobre a minha lápide?
Não
há neste paraíso um único anjo que me indique as portas,
nem
eu mesmo trouxe os óculos necessários
para
suprimir a miopia da paisagem
e
alterar a perspectiva do que é luz ou trevas em meu campo de ação.
Mas
a total visão do vale
acende
como um raio a amplitude do que há para ser visto,
assim
como numa tempestade noturna
que
em segundos, num único raio, revela para sempre
a
dimensão atravessada do que antes era pura noite.
E
já não há noite, tarde ou dia.
A
memória alcança uma fronteira onde o silêncio impera imediato.
Perceber
torna-se um verbo para sempre conjugado
e
nas entrelinhas pode-se ler a eternidade composta por monossílabos.
Deus
entra agora pela porta da frente
suave,
saído de um banho de lavanda e alecrim
e
senta-se à mesa que preparei para seu desjejum
alegre
e perfumado, como todo universo sabe ser.
Ramadã
Beijei meus desertos
para afrontar a sede de
amplitude
e ruminar o tempo dos
camelos de uma vez
atravessando distâncias
num átimo.
Mas não deu certo.
Era estreito o que
deveria ser amplo
e uma porta sempre dava
em outra.
Então eu deixei.
Não pensei mais em
medidas
e rasguei todos os
calendários
para ficar só com os
finais de semana
no quintal da minha Vó
Maria
onde fui príncipe,
cowboy e índio:
enciclopédia de sonhos
solta num playground.
Tempos depois
quando só sabia contar
nos dedos
e tomar um avião era
nada mais que brincar de amarelinha,
entre um céu e um
inferno de fim de tarde
vi que a vida era pular
para dentro da primeira chance
feito um saci de
primeira viagem
tentando se esconder de
coisa alguma.
Berço
Eu quero abraçar o
deserto
para alcançar a fome
depois do banquete
e pedir pelo conteúdo
dos espaços em branco
preenchendo as tranças
do tempo com Contos de Fadas.
Eu quero abraçar o
deserto
para contradizer os
espaços em branco
e afirmar que o coração
é a única medida
e que só ele alcança
o impossível.
Eu quero abraçar o
deserto
porque não quero ser
curto nem opaco,
construir pontes na
neblina
e ver que à medida que
as horas passam
novos dias querem
dizer, incertos,
que faltam segundos
para trocar as lentes
e contradizer a
paisagem local,
virando o dia pelo
avesso.
Porém,
reconstruirei pedra
sobre pedra,
juntarei uivando todos
os meus cacos
denunciando que a tal
queda
era apenas ficar
distraído
encostado no batente
deixando passar o
tempo,
passando a vida a
limpo, de rastros
me carimbando torto
pelo chão
a chamar os cães
plantonistas para decifrar o enigma.
E saber da dor cáustica
de ter de continuar
respirando
e comendo o pão que o
diabo amassou
se eu também sei fazer
pães...
E se não existe
coerência nisto
é porque vale ainda
que como um grito,
mesmo que ele diga aos
surdos:
- Abram alas para os
cegos
e ouçam o roer dos
mudos!
Absurdo!
Mas não vale um poema
a estas alturas do campeonato,
o jogo tem se tornado
demasiadamente fútil
além de já terem dito
e escrito quase tudo.
Por isso, deem asas à
imaginação.
Depois, joguem adubo
nos parques!
Assim, aparecerão –
depois da chuva, é claro –
novas formas de
enfrentar o luar.
Deus finalmente dançará
com as crianças
transformando o pavor
trôpego
no puro ritmo a devorar
espaços
que existe nos balanços
e no coração que
oscila:
Pêndulos em parques
diferentes...
Permitem jardins
ao redor das indústrias
e automóveis.
1985
Perdido
Construo versos que
você não pode ouvir
perco beijos que o
acaso tem negado
por querer simplesmente
o amor em vez da rima.
É como entrar num
quarto errado
e mesmo assim trocar
completamente a mobília,
pintar as paredes e
quebrar todos os espelhos
para depois evadir-se
na noite
empenhado até o último
em dirigir somente na
contramão.
Voo todos os esquadros
para apontar arestas
nos desertos,
e não conhecer seu
silencio velado.
Passa um fado pelo meu
coração perdido,
apenas uma gota de suor
já lateja um Oceano
seguindo o pulsar de um
poro íntimo com seu ritmo sempre aceso.
Eu enfrento a surdez do
tempo
porque agora o silencio
é absoluto,
apenas guardei segredos
para ter o que contar a
mim mesmo.
Não sei gritar para
pedir indicações,
o único endereço que
me importa é o do Paraíso,
tudo mais é dantesco e
labiríntico,
a conclusão sempre
termina num minotauro
com Ariadne não sendo
convidada.
De que valem tais
contos de fadas?
Já não tenho mais
moeda que compre sonhos.
A queda dos anjos é
igual a um colapso
na Bolsa de Valores.
Meu resgate é minha
perda,
sequestro-relâmpago
pelo qual pago e recebo.
Tal é a impermanência.
Porto
As portas estão
abertas,
apontam em silencio o
dia e a hora.
Feito um arco-íris eu
entro,
quieto,
imparcial sobre as
formas:
Resignado sem-tempo.
Afrontam-se os canhões
da cidade sonolenta.
Sonâmbulos
eles apenas
dissolvem-se.
Eu abraço o Oceano
assim como abraço os
desertos
e as estrelas em noites
sem lua.
Faço o possível
para cumprir o
impossível do tempo:
Cada momento é prova
do imediato,
cada voo rasante o
universo num piscar de olhos.
Saio da penumbra
e já vislumbro o farol
com o qual sonhei.
Calo quando tento
descrever o alto mar
que me atravessa.
Mudo
por dentro
Eu queria uma canção
de amor
que abrisse a porta dos
desertos
e escancarasse as
janelas de uma vez por todas.
Mas não foi possível.
Eu não tinha as rimas
e não havia solo onde
se erguessem
alicerces de propósito.
Os instrumentos
emudeceram
perante a estranha
coincidência
entre os pássaros da
floresta
e os ventos das
montanhas quando se calaram.
Não havia movimento.
O sol era um enigma
e a noite uma
eternidade,
um poema sem fim nem
conteúdo,
mágico chão de
estrelas
com pedrinhas de
brilhantes.
Queria na verdade um
amor em forma de canção,
um beijo aberto ao
enredo
do exílio no seu
peito.
Um amor deserto
que restabelecesse a
música dos ventos
aos sopranos pelas
encostas e penhascos
onde só as águias
alcançassem,
da mesma matéria-prima
que constrói pirâmides, esfinges
e sentimentos
desregrados.
Um amor é sempre um
quebra-cabeças
lido pelo contrário
numa caligrafia
organizada mais para o conflito
que para a solução
e ainda assim é o
único sentimento que pode expressar tudo
ou selar o percurso
tanto do sangue
quanto das estrelas.
A
rosa púrpura
Uma certa rosa pediu à
fada dos lençóis
um leito de púrpura
por apenas uma tarde
para que pudesse
descansar de seus espinhos.
O Tempo ouviu calado o
encantamento
e esperou até que
amanhecesse.
Quando veio o Sol
(e o Dia era lindo na
Primavera!)
a rosa chorava triste,
despida e simples no
meio do jardim pleno de luz.
Ao longo de seu caule
nu
todas as borboletas,
besouros e escaravelhos
vieram tocar de perto
sua pureza inédita de flor.
E o peso de tantos
insetos vergou sua nudez
impedindo que ela
olhasse para o Alto à procura do Sol.
Inconformada, a rosa
pediu de volta
seu espartilho de
espinhos,
desta vez como se eles
fossem escadas que libertassem,
elevadores a jato sem
precisão alguma de ascensorista.
Compassivo, o Tempo
concedeu-lhe outra vez o encanto.
Depois, em seu hálito
de cravo
ela sorriu resignada
seu destino de flor
como se houvesse
provado de todo néctar
que a dor de seus
espinhos a fez compreender então.
E ela foi, desde ali
flor de todo Jardim
e como se fosse ela, a
rosa,
por assim dizer o
Jardim inteiro
para todas as Manhãs,
Espinhos e Perfume.
Rosa somente. Sem rosa,
cor ou desejo:
Eclesiastes de flor
embaixo do Sol,
origem de todo aroma.