terça-feira, 20 de agosto de 2013

Duas Baladas para Arthur Rimbaud



Hinos ao Sol

                                                       a Arthur Rimbaud

I


Sua clarividência que me atravessa

lê impiedosamente cada esquina da minha alma.


Não há segredos à contraluz do que é revelado.


Cantei a saga de cada amanhecer.

Da Morada do Sol a Abu Simbel,

de Karnak ao Golfo de Ácaba.


A luz era sempre a mesma.

Era eu quem vivia no escuro.


Cada milímetro de eletricidade,

um compromisso com o infinito,

cada sopro de vento

um beijo atirado às pedras do deserto.


Mas nenhum afeto fica sendo em vão.


O que restou do tempo que não volta

é essa testemunha incandescente,

uma resposta às tardes mornas de Araraquara

cheirando a doce de laranja e cana-de-açúcar,

da poeira vermelha de Santa Fé do Sul

que tingiu minhas meias,

das praias desertas e calmas de Florianópolis

e da areia sanguínea da Jordânia.


Olhar para o alto é sempre a maior esperança,

a afirmação da luminosidade sempre presente

mesmo quando a noite vem para delimitar sua hora e passagem.


Sol de todas as noites,

de todos os amanheceres, Pai de Todos!

Lembrança única de toda uma vida,

testemunha imutável e silenciosa queimando minha pele e meu sono.


A vida na Terra proclama teu brilhante jugo

como um incenso que sempre se eleva e te alcança!


Tudo o que brilha é um modelo do que és.

Dos incas aos astronautas,

dos arquétipos mais indecifráveis

aos olhos da criança que passa feliz

e que faz com que meu coração

também brilhe a extensão de toda a rua.


II


Oráculo


Li por acaso os cacos deixados

pelo último motim

dos meus santos infiéis,

já em iconoclastas convertidos.


Em búzios adivinhei o som do mar

num evidente oráculo.


Enigmas que vêm à tona decifrados

para que nada mais seja passado a limpo.


Fosse a vida inteira vista num relance

e a vastidão tomada como uma dose de lucidez

em face à quietude espessa de um planeta!


A eternidade resumida num café expresso

e alguém que possa interpretar-lhe a borra

para resumir o calvário na compreensão de um sorriso.


Sol que queima e confunde

para examinar a frieza até então exaltada

no meu coração adormecido.


Um poema que quer falar por si

contra mim que não sei dizer nada.


Um silêncio que se traduz entre meus dedos

enquanto ferve o óleo em minhas pinturas.


Cor transmutada em abismo.

Receio imposto ao itinerário não traçado.


Resta apenas o batom estampado em beijos nas paredes

deste corredor que me leva não sei onde.


Não há sequer memória.

Qualquer paisagem é uma resposta.

Qualquer cartão postal o mesmo que as esfinges.

Chegamos somente até onde o destino impôs

já que nunca entendemos mapa algum.


Fração a que chamamos vida!

Eternidade emitida num único suspiro:

um piscar de olhos de Brahman

onde toda a história da humanidade pode estar contida.


Sol que cega clarividente para depois esclarecer,

não é possível entender num átimo as consequências da luz

sem antes sofrer sua ausência,

sem antes ralar os joelhos no chão

para só depois aprender a manter-se em pé:

soldado a postos para uma luta atenta e sem armas.


Cor transmutada em abismos

num salto de paraquedas,

a compreensão dura poucos segundos

para deixar somente a percepção de um plano de voo

e expressar numa outra condição

esse exercício de ousadia fugaz.


Para poder finalmente entender a delicadeza dos seres alados

que também aprenderam a lucrar sobre a massa de ar quente,

que trouxeram a seu destino-pássaro

a inteligência aérea e necessária

para voar sem dor sobre a imensidão do vale.





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