Hinos ao Sol
a Arthur Rimbaud
I
Sua clarividência que me atravessa
lê impiedosamente cada esquina da minha alma.
Não há segredos à contraluz do que é revelado.
Cantei a saga de cada amanhecer.
Da Morada do Sol a Abu Simbel,
de Karnak ao Golfo de Ácaba.
A luz era sempre a mesma.
Era eu quem vivia no escuro.
Cada milímetro de eletricidade,
um compromisso com o infinito,
cada sopro de vento
um beijo atirado às pedras do deserto.
Mas nenhum afeto fica sendo em vão.
O que restou do tempo que não volta
é essa testemunha incandescente,
uma resposta às tardes mornas de Araraquara
cheirando a doce de laranja e cana-de-açúcar,
da poeira vermelha de Santa Fé do Sul
que tingiu minhas meias,
das praias desertas e calmas de Florianópolis
e da areia sanguínea da Jordânia.
Olhar para o alto é sempre a maior esperança,
a afirmação da luminosidade sempre presente
mesmo quando a noite vem para delimitar sua hora e passagem.
Sol de todas as noites,
de todos os amanheceres, Pai de Todos!
Lembrança única de toda uma vida,
testemunha imutável e silenciosa queimando minha pele e meu sono.
A vida na Terra proclama teu brilhante jugo
como um incenso que sempre se eleva e te alcança!
Tudo o que brilha é um modelo do que és.
Dos incas aos astronautas,
dos arquétipos mais indecifráveis
aos olhos da criança que passa feliz
e que faz com que meu coração
também brilhe a extensão de toda a rua.
II
Oráculo
Li por acaso os cacos deixados
pelo último motim
dos meus santos infiéis,
já em iconoclastas convertidos.
Em búzios adivinhei o som do mar
num evidente oráculo.
Enigmas que vêm à tona decifrados
para que nada mais seja passado a limpo.
Fosse a vida inteira vista num relance
e a vastidão tomada como uma dose de lucidez
em face à quietude espessa de um planeta!
A eternidade resumida num café expresso
e alguém que possa interpretar-lhe a borra
para resumir o calvário na compreensão de um sorriso.
Sol que queima e confunde
para examinar a frieza até então exaltada
no meu coração adormecido.
Um poema que quer falar por si
contra mim que não sei dizer nada.
Um silêncio que se traduz entre meus dedos
enquanto ferve o óleo em minhas pinturas.
Cor transmutada em abismo.
Receio imposto ao itinerário não traçado.
Resta apenas o batom estampado em beijos nas paredes
deste corredor que me leva não sei onde.
Não há sequer memória.
Qualquer paisagem é uma resposta.
Qualquer cartão postal o mesmo que as esfinges.
Chegamos somente até onde o destino impôs
já que nunca entendemos mapa algum.
Fração a que chamamos vida!
Eternidade emitida num único suspiro:
um piscar de olhos de Brahman
onde toda a história da humanidade pode estar contida.
Sol que cega clarividente para depois esclarecer,
não é possível entender num átimo as consequências da luz
sem antes sofrer sua ausência,
sem antes ralar os joelhos no chão
para só depois aprender a manter-se em pé:
soldado a postos para uma luta atenta e sem armas.
Cor transmutada em abismos
num salto de paraquedas,
a compreensão dura poucos segundos
para deixar somente a percepção de um plano de voo
e expressar numa outra condição
esse exercício de ousadia fugaz.
Para poder finalmente entender a delicadeza dos seres alados
que também aprenderam a lucrar sobre a massa de ar quente,
que trouxeram a seu destino-pássaro
a inteligência aérea e necessária
para voar sem dor sobre a imensidão do vale.
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