O Jardim Secreto
Meu jardim sofre com o calor intenso do verão,
com o sufoco das horas suspensas
sobre um tapete quente de folhas e sol,
dias abrasantes em que o oxigênio é quase uma miragem
envolta pelo anseio de uma nova estação que se respire.
Ser flor numa terra árida
é ter o compromisso de trazer o belo
seja em meio aos cactos ou às pedras.
É não ter escolha sobre a isenção de espinhos
ou a graça da chuva todos os dias.
Ser flor numa terra árida
é apenas desejar o sol por destino dentro
e a noite como leito num suspiro momentâneo.
É esperar todos os dias
por uma próxima canção
que traga suavemente
o vácuo de uma melodia intraduzível,
a massa lêveda do pão ainda por ser cozido,
o cozinhar a si mesmo a pleno vapor
lido num livro de receitas impenetrável
que ensine como a fórmula dos doces,
salgados e amargos
pode conter o que o fado impôs por descuido, por recurso
para que dali um banquete vazio seja feito
a fim de aplacar as leis invioláveis sobre o sabor.
Paisagens efêmeras
e contos mal estabelecidos
aprendidos de não sei quem.
Resta uma chuva por comemorar
ainda que ela não venha,
ainda que o voo dos morcegos na lua cheia
atravesse esse satélite como um vulto,
ainda que a memória espessa de tanta escravidão
grite o silêncio esperto de tanta algema,
de tantos grilhões ainda por conquistar,
tanta sereia por atravessar ao largo de Circe
com os ouvidos velados à ilusão e malícia do bel-canto.
Era uma vez um jardim secreto
onde uma flor transparente respirava
sua composição de clorofila em belo refletida
só para terminar sua existência visível em questão de horas,
e continuar seu ser além do tempo-flor,
num segredo murmurado para o qual não há respostas.
Assim uma Dakini veio e me contou.
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