Romãs
a
Maria Lucia Merola
Três romãs vieram me contar sonhos vivos de natureza
num dia de amanhecerem os alentos
em que o ‘espírito de Deus movia-se sobre as águas’.
Puseram-se diante de mim, entradas pela porta da frente,
num prato de louça em minha mesa, posta para a próxima aquarela
que eu pintaria em meus desejos sem fim.
Queimando em vermelhos de insistência, incêndios de fertilidade,
a primeira me falou de vertigens que sofrera na árvore
em condenações de prosérpinas e perséfones: lenda de tudo,
e de como os homens costumavam conversar com ela
numa linguagem cifrada a ouro e prata
cujo código depois não conseguiam repetir entre eles mesmos.
Há certa fragilidade nessas relações
onde o silêncio fortalece o claro enigma
como janelas abertas para um novo dia.
E em questão de segundos,
impávida sem fim,
a segunda romã me perguntou sobre a terceira,
não mais presente.
Esta, aberta para o Trabalho,
com o passar dos dias queimara sua própria existência
num altar onde se adorava o belo
sem precedentes de qualquer diálogo entre mito e ser.
Alquimia de sangue e húmus
meu coração em triângulos se perguntava
sobre o fado como fruta do destino
a transmutar-se em água e cor sobre um papel…
Imersa em branca folha e entre vozes de chiaroscuro
a terceira romã nos respondeu então em sobretons:
- Ein sof
E assim, num diluir de falas
através do que nos disse em flamejantes
restou o amor que nunca estanca, só abrange,
incenso queimando superfícies para atingir estratosferas.
E ouvimos então da árvore
que tudo sabia desde o princípio sobre o fim de tudo
até que um sfumato calou nossos cinco lábios
numa moldura de sorrisos sem fim.
Sem precedentes.
16.09.13
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.