Equinócio
a Maria Lucia Merola
Já é outono no meu peito de criança mal dormida.
Sonhei todas as primaveras para que esta chegasse
trazendo árvores falantes que me contassem a verdade
sobre o mistério da seiva que corre em ascensão
como um modelo de alma aprisionado entre folhas e solo.
Falei dos redemoinhos onde pousei insólito
como num voo ingênuo e inesperado
até que o próximo tsunami passasse
e me levasse de tabela para o próximo vendaval...
Choveu sal nas minhas pegadas...
Não houve adubo, sol ou receita
que me fizesse voltar dinâmico para o meio do campo
para inundar de júbilo meu coração sedento pela próxima colheita.
Das pálpebras insones que agora testemunham
o escafandro rarefeito desta fria claridade
emerge a chuva que esperei neste intermezzo
traduzindo na superfície da terra
a resposta terna ao sol que me queimou em luzes no último verão,
intersecção arterial entre a sirga e os remos,
entre o colapso fauve e a ascensão dos meteoros em transe,
rastro e pista para descrever em segundos toda a história milenar do cosmos
como se ele fosse um brinquedo desmontável de Paul Klee...
Coração que pulsa novos ritmos
onde o silêncio não dispensa ainda alguns ruídos
e as perguntas perdem peso e medida...feito moda de viola.
Tempo de viver respostas,
elevar da argila úmida um novo homem centenário
que possa tratar das equações indeterminadas em termos de igualdade
e da mecânica celeste como num jogo de amarelinha.
Restou entre céus e infernos riscados a giz por Vlaminck
uma cabala sorridente onde brincamos os dias da eternidade
sem a mínima pretensão ao mistério,
em que o equilíbrio podílato da criança em questão
desconhecia de todo a vertigem póstuma do trapézio,
de quando o circo pega fogo em plena corda bamba.
Chove, minha alma!
Chove a virga de todas as possibilidades
no tesouro encardido desta lona furada e vencida,
neste pedaço de universo que não vai além da minha cerca
mas que tem me ensinado mudo aos quatro ventos
que não há um único argumento sequer neste planeta
capaz de negar o sol de todos os dias
de todas as noites
de todas as minhas veias cansadas e já despertas.
Canta, alma sagrada!
Canta livre de rimas, métrica ou sentido
porque o eco do teu sopro vai inundar para sempre
as asas de cada recôndito do sistema solar
repetindo em sopranos como um elétron cúmplice de luz
a trajetória invisível da conquista divina em torno do núcleo
deste coração encantado que te alimenta em espírito!
Para sempre.
Para sempre.
22.09.13
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