domingo, 16 de fevereiro de 2014

Cinco Elementos para Cinderela - III



A Abelha e a Cigarra


Assim a vida nos oferece seu fel biliar

que a coragem destila em néctar de redenção tempos depois.


Por vezes não há como envergar o vinco deixado

como pista para que se continue a estrada.

Come-se o pó da rua descalça e cospe-se adiante um tijolo

e que será a fundação de um alicerce por iniciar-se

num futuro nem sempre remoto, 

quase sempre mais surpreendente e melhor

que os últimos precipícios de resguardo!


Meu sangue é meu preço. Veias que saltam o garrote que tortura.


Já não trago o gosto hemático ferroso na garganta

que tanto gritou às estrelas de outros dias.

Mesmo a beleza da paisagem parecia envolta por um véu à minha frente.

Sequei as lágrimas no tecido e vesti os óculos de acordar.


Após uma congestão de maresia,

a vida sabe às vezes a champanhe gelada de consolo.


Mas estalei pouco a pouco minha revivida casca de cigarra

pra cantar a primavera das flores novas que surgiam.


Pavio aceso

canto conjugado em explosão de mil versos

perante um exército cego de formigas dos meus medos.

                                                                          Ein Karem 16.02.14










































Cinco Elementos para Cinderela - II


O Marinheiro


"...And if a strange asks you,

tell him that I am he, a blind man

dwelling on the rocky island of Chios,

whose songs shall be in time to come..."

Homer


"Place me on Sunium's marbled steep,

Where nothing, save the waves and I,

May hear our mutual murmurs sweep;

There, swan-like, let me sing and die;"

Lord Byron


A aceitação paciente do calendário em destino de alto-mar

é virtude de almirantes sabiamente consagrados.


Sina de Argonauta?


Aprendi na Escola de Sagres

a fazer da navegação em si o pão nosso de cada dia,

mesmo que o fermento não desse seu lêvedo a tempo de forno

e a massa amargasse ázima o frigir da fome que nos justifica,

mais nada.


Na alegoria da ponte

para ir de uma margem à outra

é preciso viver a trajetória passo a passo.

Não há sequer como medir os abismos das entrelinhas

ou olhar para trás e marcar um retorno,

tal é o arado resfolegante da vida!


Que o jejum no deserto pós-Egito

valha então o mar dividido como passagem!

Algas e conchas por asfalto

à guisa de pedrinhas de brilhantes...


Pérolas apanhadas então da areia

pelos tombos que as vislumbraram: espólio de batalha!


Atravessei um intervalo de aridez sem me dar conta.

Em tudo, via comprometido

como se usasse óculos escuros de mergulho,

o peso do escafandro a determinar o curso do meu rio...


A atmosfera rara dos voos seguros

sempre forneceu oxigênio e matéria-prima

para o antídoto da asfixia

que anda às voltas na superfície das águas.


Aceitar os limites visíveis a nos impor o passar a vida a limpo

e de rastros

é um bom disfarce esotérico para aquele

que pretende desvendar o labirinto da entrada de Chartres.

O enigma só faz sentido quando percorrido de joelhos,

cada centímetro valendo a extensão de um abraço no destino aceito.

                                                                                                            16.02.14






Cinco Elementos para Cinderela - I

Cinderela


Todos os meus ossos dirão: Senhor, quem é como vós?”

Salmos 35:10

a Maria Lucia Merola


Um corisco de meteoros

atravessa a densa neblina habitada dos últimos invernos.


De acordo e trato com o destino,

meu conforto era o borralho.


Mantras murmurados pelos ventos do vale todas as tardes

na expectativa de que os mapas todos se fundissem

numa região abissal completamente conquistada

por geografia de carochinha submissa em tempos de fênix.


Quem determina?


Internos que comandaram e seguiram rumos sequer imaginados,

lampejos de compreensão quase inaudíveis...


Decidi viver o desconforto do Conto de Fadas

na vez da bruxa e deixei que ela se entretivesse

com seus caldeirões de fada madrasta.

Quem pode saber quando virá a hora do Baile?


Saí de foco procurando um sapateiro pelas ruas da cidade,

pés no chão e peito nas alturas,

dono feliz e triste do completo itinerário.


Branca de Neve sabe o tempo todo da maçã envenenada

mas comete sempre o mesmo erro por resignação à fábula.

A princesa da alma conhece a nobreza do destino

e também o reino que o preço do sequestro exige como resgate.


No virar das páginas

que astrolábios inventar então

para beijar esses céus por entre as fendas

de final feliz que nunca chega?


Fábulas e padrões sem medida

seguem cálculos que a previsão não lê,

binóculos e lentes que nossa visão de horizontes

não delineia de resvalo. Não se sabe o fim da história

e a hora é agora, na realidade da vassoura,

na faxina interminável de todos os meus dias

esperando um príncipe que eu sei, existe!


À falta de outros lábios

beijo os espelhos na paixão convexa da própria sina,

expandindo os muros da prisão nesse borralho,

criando sonhos de Bela Adormecida que nunca dormem,

comendo páginas do diário nesta torre

pra divisar os horizontes da Floresta

e digerir o fado que me induz em congestão irreparável de liberdade.


Eu acordo do Livro.

Tudo ao mesmo tempo agora.

Finda fábula!

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Caixa de Brinquedos


Boneca Russa

Hoje, vou chegar mais tarde

e abrir uma porta

que dará em outra porta

que por sua vez abrirá outra porta

que foi onde tudo começou um certo dia.



Uma verdade conterá outra verdade.



Era uma vez eu e você

numa rua com pedrinhas de brilhantes

em ciranda de fazer destino por onde nosso amor passou

sem deixar rumo ou endereço.



                                                      Brinquedo de Corda


Coração de brinquedo

há tempos ouvi falar dos temporais

e não quis trazer os raios

às cordas dadas por descuido

- metáforas soltas num playground



Como conto de fadas

a Conquista da Disneylândia



Como final feliz

o despertar de todos os relógios

os pulsos livres do jugo do limite

o sulco da lágrima

em direção à risada solta

meu corpo nu

em forma de adeus.



                                                                Lullaby


Sair da hipnose de si

como quem antevisse os espaços

e dispensasse a hora extra no escuro



Dei duro

só pra poder usar batom depois



Hoje, Deus sorri vermelhos

por baixo de seu nobre mustache



A cada nova manhã

danço para Ele ao som de Seu silêncio



E todo por de sol

é uma nova mensagem para o amanhecer



Assim espero por Ele

trazendo as flores para embalar

Seu peito de menino

e me fazer então dormir quieto

no Oceano do Seu Amor

o sono dos espertos