Era uma vez uma amarelinha sem inferno.
Ia-se de um céu a outro sem qualquer intenção de limites
ou asas que valessem uma distância entreaberta.
Todo final de tarde
os sacis recolhiam os números dispostos ao acaso
e formavam alguma cabala para que pudessem brincar à noite
contando um mar de estrelas pelo asfalto
antes que as velhas negras os chamassem de volta
para dormir ao relento.
Havia um tempo em que nada era remoto,
a felicidade cabia exata no aro de uma bicicleta
e as notícias do mundo vinham frescas
através do quadro-negro.
Quando inventaram os binóculos para a eternidade
os homens da lei disseram que aquele era um pretexto
para a negação arbitrária da paisagem
e mantiveram seu culto à miopia
que também condenava voluptuosamente
a sexualidade sutil e íntima dos microscópios.
Vertigem.
No entanto, a vida virtual lhes coube melhor que uma luva
ainda que fossem cegos conduzindo outros cegos
e tendo o interior de uma miragem como cenário
a esconder a lava prestes de um vulcão.
Aqui
a perspectiva da floresta dispensa telescópios
porque se agasalha sob o teto da noite negra
onde não há sombra de hierarquia entre os bichos
e um reflexo de lua é só mais um corpo celeste
refletido no lago onde as rãs cantam modestamente
num mesmo uníssono sem precisão de maestros.
Era uma vez uma amarelinha sem inferno.
O que acontecia entre um céu e outro
era costurado feito uma colcha de retalhos
onde cabia o mundo todo e mais um pouco.
Assim a disciplina dos calendários
foi definitivamente extinta
e viver transformou-se numa forma criativa e magnética
de enfrentar o luar com os mesmos olhos abertos
de um pássaro noturno.