terça-feira, 3 de março de 2015

Hélices



Hélices

                                             a Alaa Awad

Hoje eu cantaria para você
uma canção que falasse dos abismos
que escondem universos insondáveis
entre oceanos que nos separam
 e ao mesmo tempo nos congregam,
réus impunes do mesmo ar rarefeito
que embriaga e alucina tempestades à risca.

Hoje eu dançaria para você
a liberdade de todas as asas entreabertas
indicando a queda e o extermínio de todos os muros
e a ascensão definitiva de todas as escadas.

Dançaria para você de uma forma iluminada
para contar do voo dos pássaros
 surgindo através da neblina
trazendo uma forma de turbina em pleno vácuo
para celebrar a velocidade dos astros
em hélices que exterminassem a noção de tempo.

Emaranhado de estrelas
o ninho morno da Poesia cria, irreparável
essa linguagem muda de estátuas
que não precisa justificar o belo
a não ser pela arrebatada presença das pedras
que um dia foram talhadas
independente dos mapas que nos circundam
e dos limites que aparentemente nos impõem
as longitudes do que sempre está perto...

A grandeza é a mesma.
As impressões talvez mais retumbantes.
Mas a alma que está ali tem a mesma quietude
ampliada em 360 graus sublimes
de decolagens e chão.

Ouvir as castanholas a tempo
na voz dos mármores que pulsam virtudes...

Ainda não parei para me estranhar desde então.

Vou sendo tomado pelo santo ofício
 de braços tão abertos
que não há cruz de mundo 
que possa refrear meu voo:
Só o puro ar me avança.

Dedilhados versos me contenham para apropriadas estrofes!
Canções que jamais serão vistas!
Marcas que ficarão expostas nas lajes dos rochedos!

Os deuses sempre de plantão nesse panteão de anonimato.
Feliz por ser invisível.
Ninguém dá fé às bênçãos silenciosas.
As flores são testemunhas sem ruído de todo sempre
e não fazem censo ao número excessivo de borboletas
 que vêm incondicionalmente beijar todas as pétalas
 desta tarde que me encontra aqui
como um amante incinerado de sol.

Meu rio corre sem margens para seu fado de Oceano
e não sinto crédito algum por isso
que não a ousadia suprema
 de poder contar estrelas em plena luz do dia
com astrolábios a título de marcapasso: 
exocardias num turbilhão de veias,
a jugular exposta num grito de mármore
 causando cinzéis de liberdade.

Entro devagar no quarto de espelhos...

Vivo agora universos nas minhas moléculas.
Uma oração em silêncio. Cabe na palma da mão
e pode abraçar um céu inteiro.

Hélices...
Em terras aborígenes
não se afiam bumerangues.




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