sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O Coração do Sol


O Coração do Sol

                                        a Daniel P. Brown & Geshe Sonam Gurung


Do pântano, onde tudo submerge
uma flor em sorrisos emerge do vazio
e encontra seu caminho de clorofila refletida
através do leve coração do sol
que lhe abraça os sentidos em beleza transformada.

É assim que os jardins alcançam estrelas
e todas as constelações
são um único e mesmo céu
pulsando vivo e tenro
a extensão de todas as veias
no percurso de todos os astros:

Ascensão para dentro

                                                                Ein Gedi, 14 Novembro 2017


domingo, 15 de outubro de 2017

Meadas



Meadas

Se as Moiras, filhas da noite, quiserem
um camelo passará pelo buraco de uma agulha.

Mas poderá trazer em seu encalço apenas um único fio
ensarilhado pelos dedos dormentes de Cloto
no fuso do tempo que Láquesis prescrever.

E para Átropos, 
o oceano é apenas um hífen
forjado entre dois mundos
cujas lâminas cegas Cronos também não pode medir.

A montanha ainda floresce quando estamos juntos
e o linho azul dos prados desconhece seus tormentos
ou tempo de maturação.

As colinas vestem as tramas de um mesmo céu...

Em sentido inverso
Ariadne mapeou os atalhos
para a saída do labirinto
com os fios de suas vestes
e chegou nua à câmara do Minotauro
seguida por Teseu.

Mitos... reflexos divinos
que tornam a vida suportável.

Em que constelações marcaremos a história?
Seremos apenas um flagrante risco
de uma estrela se esvaindo em luz?

Pouco importa.
O céu, ainda que uma única vez
foi expressão fugaz de nossa substância!








sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Alma Mater


Alma Mater

Unidade, mãe de múltiplos filhos!
As estrelas são assim mesmo, quietas e insubstituíveis num céu intrínseco,
um abraço de distâncias com o mar de luzes no peito em grito aberto
ciranda contínua de onde viemos e estamos.

Sem outros mapas que não abismos de estrelas para onde voltar.

Cartógrafo amador, quantas vezes errei os cálculos e as fórmulas
apenas por temer minhas neblinas!
Mas os faróis sempre perdoam...

Enquanto houver terra e mar
alternar navegação e retorno
tornou-se um mito vivido em segredo
tradução prévia de um ciclo maior e mais tangível
que nenhuma babel pode transpor em alturas.

O trânsito na superfície nunca ignorou
a rota abissal que, turva, meu lastro viu o tempo todo em escafandros,
papiros de lembranças onde o compasso persiste
como um anzol da clareza que inevitavelmente me fisga
e nácar que torna possível a sede almirante de partir
que oceano nenhum sacia nem nega.

Eu me atrevo
 mas traço planos frágeis em barcos de papel
enquanto meus piratas cometem pesadelos em pilhagens
contra meus sonhos que nunca dormem e jamais naufragam.

E quanto mais me arrisco, mais salgada fica minha viagem.
Tudo passa excessivamente do ponto,
da compreensão mais insípida
à mais salobre ignorância.

Assim, rota hipnótica do navio
num mar sonâmbulo que se acredita constelação
persegue os astros esquecendo os bancos de corais.

Encalhar nos arrecifes é muitas vezes a possibilidade
de conquistar o continente que os muezins não viram antes.

Lágrimas abissais, suor abissal,
coléricos ou sanguíneos humores que transcendem métrica e rima.
Tudo custa!

As estrelas são a nossa única grandeza.
A epifania, a realidade mais justa,
aquela que traduz a babel imposta e espessa da lei dos homens
num léxico diluído página a página nas entrelinhas:
o cotidiano como a mais possível liturgia
gritando jugulares e cães soltos na garganta.

Não ditei receitas fleumáticas de viagem.
Medi todas e testei in vitro.
E foi assim que o laboratório explodiu naquela tarde,
como num filme de Antonioni
enquanto Pink Floyd.

Ciranda

Ao final, mar e céu nada mais são que uma mesma e intrínseca verdade.
Não há outro mar que não abismos de estrelas.
Tudo está muito perto. Nosso binóculo ao contrário
é que insiste em ver a paisagem na contramão.

Toda ascensão é para dentro.




sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Brazil



Canção de Guerra

A única saída é o picadeiro,
lá todos os gatos são pardos
e o trapézio
uma figura geométrica
em estado de calamidade pública.


Todos os acrobatas no mesmo número
e os clowns dispersos numa plateia de ciganos
sofrendo pilhagem sob a mesma lona.



O Trem de viver




O trem de viver

Prossigamos!
 Enquanto algo hiberna e decanta
muito se sedimenta.

A aparente anestesia dos momentos
segue  involuntária sequência de outra ordem,
destino traçado que a clarividência não alcança
mas compreende mesmo que nos limbos.

Talvez o obscuro traga tanto desconforto,
densidade que lodo e musgo encerram
em lucidez que ainda não conhece superfícies
nem ondas circulares de remanso.



sábado, 26 de agosto de 2017

Balada para a casa vazia


Balada para a casa vazia

Um atalho para a saída do labirinto,
meu pátio é meu desassossego,
aberto púlpito para todos os cômodos vazios acima,
quartos voluntariamente desapropriados
livres de todas as pegadas
olhando vultos que ainda insistem em voltar.

Mar bravio. Uivos nas venezianas.

Vento causticante polindo lembranças e arestas.
Mantras percorrendo pistas,
deixadas pela praia num rastro de escamas
como um netuno que atrasasse a maré baixa
imprimindo brilhos na areia
que as ondas apagarão
antes que se decifre o enigma.

Irônica liturgia divina.


Só ao destino é dado o cetro do martelo como veredito.
As conjunções planetárias
 – látegos para o lombo dos homens –
não passam de sorrisos de escárnio
para a grandeza dos deuses.


Coisas que ficaram impressas como folhas secas
e que encontro ao acaso dentro dos livros.
Olho para elas e não sei de onde as trouxe
ainda que guardá-las tenha sido um gesto estratégico
para me remeter a algum lugar onde estive.


Ineficaz, o passado emerge impotente das páginas
como um cartão-postal sem endereço ou remetente.
Certos truques decisivamente não funcionam.
Viver intensamente muitas vezes não deixa nenhuma pista.
Nem mapas.


Mas tenho visto tudo muito de perto – tão de perto
que crio nuvens de calor no espelho a cada suspiro –
essa necessidade de raspar fundo a bateia no areal
a partir de tudo que precisei reinventar
e manter a identidade visível no reflexo do escafandro,
espantalho amigo dos pássaros,
anjo traído pela liberdade das asas,
poeta inefável.



Sândalo



Sândalo

O Amor, fluente em todas as línguas
é um leão entre os homens,
sol que tudo penetra e revela
impregnando a quietude fria e úmida da floresta
inebriada pelo aroma da resina dos sândalos,
rei desperto reconquistando seus domínios
do jugo da escuridão e sonhos de exílio.

À luz, custa o exercício físico da combustão.
Mas a dor do fogo
acende um céu inteiro refletido na paisagem
da qual somos pássaros
declinando abismos em ousadia de voos
dos quais somos lendas
imitando a sutil impermanência das nuvens
expandindo céus & quandos.

Assim, a fênix teve por graças 
o presságio de seu incêndio
e fechou-se então um livro ainda em brasas.

Finda fábula abençoada em cinzas
enquanto a exatidão da lenda persiste no calor dos dias
e as grades, derretendo, prescrevem sua babel
vencidas pela manhã que surge infinda,
fosforescente, cometendo a própria luz.






domingo, 29 de janeiro de 2017

Esquadros & Telescópios




Astrolábios

Nesta terra amarga, não importa,
vou semear meus doces frutos como um beijo
e colher minha vida num sorriso para dentro.

É aqui que o sol nasce todos os dias!

Ainda que tudo no mundo me devore
continuo persistente buscando os temperos certos
que meu armário na cozinha abriga em perfumes e silêncios,
trazendo dos aromas que tanto me perseguem
a resposta muda que o amor transforma em desejo
e que prescinde de um sabor muito exato
ou mesmo de ingredientes corretos.

Neste grande fogo de ilusões
todos aprendemos que estamos na verdade
cozinhando a nós mesmos
em favor da mais única e possível realidade:
o retorno para Deus neste exato momento!

É Ele nosso mais nobre convidado,
por isso ofereça tudo!


Ele sempre sorrirá sob os bigodes
mesmo que a receita esteja completamente errada.


Deixará no linho do seu guardanapo
um beijo estampado por descuido
para tornar tudo ainda mais memorável
e celebrar a luz de ser a todo instante.