O Rugido Silencioso do Sol
As bênçãos vêm todos os dias, em todas as vidas,
corpos de pura luz que não projetam sombras,
com o mistério e a fina ironia dos deuses
perseguindo nossas trilhas indefinidamente,
criando atalhos, abrindo becos e escancarando portas:
interminável arco-íris onde a unidade é plural.
A terra vermelha da Morada do Sol
continua tingindo meus caminhos e apagando pistas
para que quando a encontre de novo
a surpresa seja tão original e tenra
quanto da primeira vez sem fronteiras
e algo permaneça intocável e sólido:
alicerces que nenhuma maresia corrói.
O cheiro de doce de laranja nos finais de tarde...
Araraquara passando trens em minha eternidade…
É esse farol que justifica meu percurso.
É sua inspiração que guia meus mitos,
constelações legítimas bordando crivos
nos riscos nevrálgicos de tanto destino exposto
à poeira, estrada, vento e tempestades
sem qualquer defesa ou referência,
entrega de céu íntimo onde estrelas têm vida inteligente
e se comunicam, indetectáveis para o mundo dos sentidos,
prevalecendo sobre qualquer definição ou códigos de linguagem
atingindo a nota certa da canção
ao cantar com um sorriso nos lábios do regato:
moendas processando o trigo cerzido do campo
pela música do arroio para o pão de luz diário.
A chuva virá, transbordando de mim mesmo
de forma tão clara que a própria escuridão não me achará!
Fruto cuja semente provou do magma ardente
do solo vulcânico, excelente para o cultivo dos vinhedos,
vida criada através das cinzas que se confundem
entre o húmus e as estrelas
enquanto outras vozes se insurgem no incêndio do silêncio
e o teatro de sombras cria sóis ao redor,
sem prólogos ou epílogos,
puros reflexos do próprio cerne da canção
cujo presente não tem rimas ou melodia sequer,
apenas substância.