sexta-feira, 19 de setembro de 2014
Sobre os itinerários das rotas e migrações
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
Ladakh
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Dharamsala
segunda-feira, 23 de junho de 2014
O Itinerário dos pássaros
Sempre
o canto dos pássaros
durante todo o dia
evoca um cantar
num tom mais alto
em voos rasantes,
sons de abismos
e mais distante constelação.
Abissal & Sublime.
Aerodinâmica nervosa:
precisa como trajetória de bumerangue
voltando sempre ao mesmo destino
por conhecer o truque das curvas.
Certeza de haver pássaros
mesmo sem vê-los:
a experiência de ouvir
comove visões em asas soltas.
Assim também os anjos
alertas em voos invisíveis,
por nosso fardo e jugo levitam,
e desse grito de liberdade faço meu canto ao rés do chão
Enquanto isso aprendo o gosto
de planar sobre o ar quente
sem ruflar para permanecer indivisível,
solerte sobre profundos.
Tudo asas.
quarta-feira, 18 de junho de 2014
Arpeggio
terça-feira, 6 de maio de 2014
Os Tapetes Voadores de Ahmed
Os Tapetes Voadores de Ahmed
I
Num país fantástico muito distante,
logo no começo de um verão em brasas,
Ahmed, um príncipe fervoroso
também conhecido como 'A Mesquita',
forrou os tetos de vidro de seu palácio
com todos os ricos tapetes que possuía.
Sua decisão causou a migração de centenas de mercadores
que chegaram ao reino
em busca de comercializarem com o belo monarca
um colorido sem fim de Kilins, Kazaks e Shirvans
feitos artesanalmente por uma tradição milenar.
Os súditos, por sua vez, para não tornar a vida palaciana
uma grande conferência de ruídos,
passaram a andar mais delicadamente
sobre os longos assoalhos de madeira
que percorriam toda a extensão do palácio.
II
Ao mesmo tempo,
começaram a sussurrar entre paredes
sobre a possível loucura do príncipe,
que mesmo quando cercado por toda a corte,
sentava-se em seu trono olhando na transparência do teto
o avesso dos tapetes com o deleite solar de quem adivinhasse estrelas.
Mas isso não durou muito tempo.
Certa vez, Ahmed resolveu virar os tapetes
de modo que se visse novamente o delicado colorido das lãs,
tingidas com pigmentos metálicos e terrosos
e que contavam toda uma história de tramas
e percursos geométricos sem fim em seus avessos.
Para comemorar a inversão dos desenhos
ele resolveu dar um grande baile para a corte
numa linda festa de Ano Novo.
III
Todos vestiram suas melhores roupas
e espargiram essências do oriente em seus lenços.
O farfalhar das sedas, tules e cetins
contrapunha-se aos veludos sensuais
próprios para aquela longa noite.
Logo no início de seu perfumado baile,
Ahmed fez um brinde à beleza
e antes de tomar o primeiro gole de seu vinho embriagante,
elevou sua taça mirando as figuras delineadas em finos matizes
que se debruçavam nos vidros do teto
como num céu de outras estrelas.
Quando a orquestra do príncipe começou a tocar os primeiros acordes,
os músicos ficaram atônitos ao perceber
que todos na corte continuavam em silêncio,
com as taças intactas em suas mãos
a olhar para cima,
encantados com o que um dia
pisaram por descuido e sem zelo algum.
O príncipe sorriu comovido
e pediu que os músicos parassem.
Aos poucos, as pessoas da corte perceberam o silêncio
e começaram a se olhar profundamente
e sorriam uns para os outros,
como se jamais tivessem sido apresentados.
Depois voltavam os olhos para o alto,
cúmplices do mesmo espírito dos astrônomos e magos
ao descobrirem uma nova constelação.
Foi então que a orquestra começou a tocar uma melodia inesquecível,
diferente de todas as outras ouvidas até então.
E eles começaram a dançar aquela música,
embalados pelo aroma dos incensos
e pelo torpor dos vinhos envelhecidos na madeira dos carvalhos.
Era como se bebessem da floresta e de seu vento
e sorriam uns para os outros... embevecidos.
Na manhã do primeiro dia
Ahmed tomou seu tapete de oração,
subiu à torre mais alta do palácio
e voou em direção à terra dos poetas itinerantes
para
tornar-se um dervixe anônimo e feliz.
Os
pisos do palácio
jamais
foram revestidos.
domingo, 20 de abril de 2014
Flor em teu ser...
Nada...
ter a consciência febril dos perfumes,
a qualidade quente e úmida da floresta
e a aceitação de cada nova estação surgindo intensa.
Lastro - Sobre o mudo vasto do mundo
Lastro
(Sobre o mudo vasto do mundo)
Somente hoje a atmosfera rarefeita dos meus verbos em transe
conjugou o tempo necessário e desconhecido
para atravessar espaços...
Eliminei a primeira pessoa dos pronomes,
assim como perdi todos os subjuntivos.
'Nós' será sempre um novo modo a ser inventado de agora em diante.
Reticências que me conduzem ao asfalto dos caminhos em atalhos
criam a gramática própria das encruzilhadas
com a leveza dos percursos imediatos
que prescindem de narrativas...
Não há acordos ortográficos para o despertar.
Cheguei cedo ao porto de nenhuma conclusão:
o mais possível itinerário é partir sempre.
Trouxe por isso um lastro para este barco à deriva.
Meu mar tornou-se Um junto a meu leito de rio.
Navegar hoje é conhecer incondicionalmente da foz à nascente,
viver cada passo da hidrografia
com a surpresa dos mapas em êxtases
enquanto o país interior emaranhado de estrelas
traça em terra a imitação de cada nebulosa acima.
Tempo de balés descrevendo minúcias
que jamais ousaria colocar
no mesmo compasso coreográfico das constelações.
Deus dá os mapas em favor do suor diário em corpo e alma.
Enquanto isso, na cena aberta...
Em degradé o oceano prolonga o mesmo azul do céu
sem resposta alguma das marés de porventura.
Abrem-se as cortinas em ondas.
E os passos descrevem a rota nas areias desta tarde desde sempre
com o eco do destino sendo o fim de alguma praia desconhecida.
Nada permanece.
Meu palco hoje é transbordado: uma parede de água
onde um filme está sempre a ser projetado
para o delírio dos peixes transeuntes
em cumplicidade com os mergulhadores e o peso do escafandro:
Cruz de cada um...
Atmosfera da criação por demais rarefeita
que às vezes embriaga e às vezes é um ar que sufoca:
mas oxigênio suficiente
para desfrutar momentos como obra divina e graça.
Paisagem submersa.
Em instantes posso vislumbrar
numa bola de cristal transparente
passado, presente e futuro pelo vidro da máscara.
O cenário sempre desmente a dramaturgia real.
Ainda assim o destino é sempre a última cartomante.
Encontro Caronte com a mesma intimidade
de quem adentrasse uma tenda disposta ao acaso
numa tarde de circo em dia de domingo.
Por desmerecimento geográfico a cena é única,
tudo acontece num átimo de amarelinhas entre céu/inferno.
A alma da fantasia tornou-se meu mapa.
Minhas roupas são as flores
que colhi nesta manhã de nudez suprema
com o jardim ainda molhado pela neblina.
Tudo está por ser recriado a todo instante.
segunda-feira, 10 de março de 2014
Tiberíades
Tiberíades
a meu Pai
“Porque eis que se pode dizer com toda verdade:
um é o que semeia, outro é o que ceifa.
Enviei-vos a ceifar onde não tendes trabalhado;
outros trabalharam, e vós entrastes nos seus trabalhos.”
João 4, 37-38
As flores de mostarda eram um tapete tênue sob o velho carvalho.
Sua dignidade solitária naquele campo em Oregon House
surgia soberana em sonhos amarelos de Van Gogh
num mês de Abril.
Puro delírio...
Beith El comparou o grão de mostarda ao Reino dos Céus
na mais estreita parábola que ensinou aos homens. (Mat 13, 31)
Pelos prados e colinas, sua voz vibrava
como os cantos dos pássaros
que alimentam o espírito.
Ainda que sem testemunhas de seus voos
ou da visão fantástica de suas cores e matizes
a revelar o ton sur ton
das notas musicais entre as folhagens,
a melodia dos passarinhos
se faz presente e exata a olhos invisíveis.
E as asas de Yassu estavam o tempo todo ao nosso redor
num abrigo de abraços em ninhos internos
com o ar de todo o vale tragado em fôlegos rasantes!
Tudo ao mesmo tempo...
Assim como os anjos no sonho de Jacó
no degradée
do mesmo subir e descer,
o caminho é único entre Céus e Terra:
não há contramão.
No milagre
da multiplicação
os deuses trazem a fome com o pão embaixo do braço.
Ein Karem 10.03.14