quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Misterioso



Misterioso

                                             (da Suíte dos Relógios)

Lendo a vida como a trama de um tecido
onde o motivo desaparece nas margens
e cujo ângulo a visão não alcança
mas o destino persegue impiedosamente
no panorama muito além do viés.

Da mesma forma que a mitologia
 costurando plenitude e sentido
mesmo com a morte dos heróis,
assim também meu coração
resgata latejante cada momento seu
com o gosto de uma lenda ainda por ser narrada.

Impulsos.

A vida repete o mito.

Nós mesmos teremos de nos reinventar heróis
e escrever na pedra a saga inédita
que até agora ninguém jamais pôde ler
e decifrar no corte preciso dos cinzéis
ou limites vazios e efêmeros da moldura.

Assim ergueram-se a pulso 
as pirâmides e os obeliscos
e a matemática fez-se visível mais uma vez
confirmando mistérios sutis entre arestas e céu.

Hieróglifos não conhecem medo
nem dialogam entre si;
o que lhes dá sentido é a morte do tempo
e a permanência do espaço que se abre em visões
cujas marcas a vida torna legítimas a cada dia:
esfinge de corda e constelação,
exílio telúrico de uma sede que nunca tem fim
nem planos.





sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Mirobálano



Mirobálano

As montanhas do espírito
independentemente se organizam
para me contar os segredos 
da luz de todas as manhãs.


Não raro concebem vulcões
que emergem de seu magma
e pulverizam toda geografia estabelecida
abrindo-se em pandoras e pérolas
para depois então sorrirem beijos
iluminados de um único sol
em astrolábios!


Sem mapas...


O amanhecer, ainda que traga sempre
a mesma e verdadeira luz, nunca é ensaiado.
O sol não conhece prestidigitações.
Tudo é simples e legítimo 
como no primeiro dia dos mundos.

Assim também nós amanheceremos
como a erva fresca e úmida
ainda coberta pelo orvalho
e prescindiremos das bagagens obsoletas
que cometemos um dia
quando ainda éramos noite
e mais nada.




terça-feira, 5 de julho de 2016

Ainda sobre os Mediterraneios



Ainda sobre os Mediterraneios


Enquanto sofremos de tempos verbais
o mar dispensa gramáticas
num paraíso que não é mais nosso.

O destino incontornável de Perséfone
metade abissal, metade olimpos
me diz que tudo é degredo,
seja semente de romã ou pedra de Sísifo.

Não há saída num castelo de espelhos!
Há que se submeter ao ataque em pleno cadafalso
quando um último anjo então
surgirá em voos convulsivos,
 apenas a ponta de um iceberg.

As maiores decolagens 
hibernam um plano divino:
escondem seu jugo
num harém de sonhos mirabolantes
em patíbulos.

A nós resta a condenação do amor às miragens
 atravessando as realidades que somos, 
refletidos e únicos,
assim como um par de asas
dono intacto de um mesmo voo.




segunda-feira, 30 de maio de 2016

Mediterraneios



Mediterraneios

Num mar metálico
o sol era um reflexo entre cobres e pratas
quando se punha,
vertigem de quem pôde ler seu tempo
pela clara referência do horizonte
em espelho de ritmos escatológicos.

Alaranjado
ele hesitou seu mergulho 
panorâmico e complementar
como um pecado insondável
até tocar sua garganta de fogo
 na superfície da linha
e incontestável, beber o mar inteiro
que vencido
escureceu então por entre as brumas.



sábado, 21 de maio de 2016

Petardos



Petardos

Se não houver resignação
o despertar é insuportável.

No pequeno tratado do mundo sutil
o sol começa sua jornada e ilumina um céu inteiro!

O belo persiste intermitente.

Assim, o pulsar desigual dos semáforos
é tão somente uma miragem na estrada ampla,
vida que respira sem rimas
o toque redentor do eterno amanhecer em cada poro
como a alvorada de um cosmos que não tivesse pressa.

Um mistério que se preserva e se prolonga,
consubstancial e transubstancial
e dele ainda emergem outros pranas.

As portas da eternidade
permanecerão abertas o tempo todo.
Somos aqueles que negam a travessia de seu umbral
por sua fantástica e evidente proximidade,
muito maior e mais íntima que nossos próprios umbigos.

Olhar a vida com olhos de boneca que jamais se fecham
entrevendo imparciais
a mágica viva do quarto de brinquedos;
a quietude do olhar
perante a surpresa imparcial da clarividência.

Nem o peso das chaves obsoletas que trazemos por precaução
como apêndices mal dormidos
trazem outras respostas além de ruídos nos bolsos,
os mesmos que ainda acreditam e defendem na ferrugem,
a lei oca das fechaduras
que desconhece o transe libertário dos batentes.

Abram alas para os cegos
e ouçam o roer dos mudos.

Aqui, nem o sono dos surdos é absoluto!




domingo, 20 de março de 2016

Mare Nox


Efígie

A lenda diz que uma sereia
encontrou certa vez um sapato perdido
entre as pedras limosas da enseada.

Ela fez dele seu ídolo,
construiu um nicho nos abissais
e ofereceu conchas e algas
pensando que fosse a efígie ancestral
de um peixe-deus.


Ad astra



Ad astra

...desejo de perseguir em asas
as mais altas estrelas.”
Virgílio

Um véu
dissimula a linha horizontal do tempo
da linha vertical:
membrana que envolve a densa camada de neblina
que perpassa audiência e trapezistas:
vida em estado de urgência
no circo sempre por começar.

Catracas

Gênesis nas encruzilhadas
sem evidências que apontem direções
a não ser a nudez de cada momento
experimentando novos arlequins
de improviso.

É de viés que tudo acontece!
Viver pode ser tudo, menos um experimento linear!
E o destino, tão oblíquo quanto um raio
toma de sobressalto a lona tosca
que imita um céu aprisionado
entre um número e outro
enquanto a plateia
entredentes 
...ruge.

Nada que a orquestra
aos desconsertos
não soubesse
em ávidos sopranos.

Intermezzo:

Só a ingenuidade dos palhaços
pode ler a tragédia que mente medusas
no reflexo impermanente dos espelhos.

Entreatos

No mais, pura magia!


domingo, 13 de março de 2016

Dom Sebastião: O Retorno


Dorso

Mosaicos de ouro
na luz do sol percorrendo a casa vazia e suas paredes:
relógios outros que os cantos e rodapés não acompanham.

Eu vou à janela dos infantes
nesta manhã de nevoeiro
esperar por El Rey, o Desejado.

E vejo no jardim adormecido
as íris roxas e a hera que cresce.

O passado é uma medusa
que só se pode avistar por reflexos incidentes e transversais
sem risco então de congelar no tempo
um estandarte de dor
em forma de coração.

Para esta primavera de despedidas
não semeei novos canteiros,
assim, apenas as flores mais persistentes germinaram
da fertilidade obstinada das sementes mais fortes
que surgem cores inesperadas
celebrando a paciência e sabedoria do húmus
que por sua vez, aprendeu a dosagem de fermento
com o magma sagrado dos vulcões
que jamais se estinguem.

A diferença entre os seres vivos
é uma questão de densidade.

mosto
malte
restilo
a transparência estática das garrafas
não conhece o decantar dos campos de colheita:
imolação e glória no Valhala




quarta-feira, 9 de março de 2016

Berimbau


Berimbau

                                                                a Naná Vasconcelos

O que vem desse bojo
deixa sempre a esperança
de que a vida seja uma aventura mais do que sensível
e as maiores percepções
tão silenciosas quanto o gosto das galáxias

Viver a audácia sem precedentes
da orquestra inteira na corda de um berimbau
é refletir a vastidão da floresta e seus encantos
sem fronteiras
pura magnitude

É trazer o coração do oceano à superfície da viagem
e ter o mergulho total como a única rota
surgindo da espiral dos redemoinhos
preferencialmente
à linearidade da razão dos surfistas
que pensam caminhar sobre as águas

Seus búzios...
encantos de chuva regendo num flash
o ritmo aceso de trovões e raios
partindo céus e seus abismos

Destino

A telepatia
inimiga dos poetas
entende depressa ao deus-dará
que na beira do mar
à revelia
Escravos de Jó
jogavam caxangá


                                         9.03.16


sexta-feira, 4 de março de 2016

Indra - O céu que nos protege


O céu que nos protege


Quem me ensinou a placidez das esfinges
e a abrangência silenciosa das pirâmides
criou a chave-mestra para todas as portas
permanecendo tão inefável
quanto o calor da paisagem num dia de março.

Os muezins cantam as horas e a ordem
enquanto os radares ardem em revista seus temas de medo.
Quem serão os demiurgos na matrix?

Tudo prossegue impiedosamente
enquanto persigo obeliscos...

A luz que em mim seu céu aponta
em janelas que revelam todos os mistérios
o amanhecer em brasas de seu sol me deu:
mapas panorâmicos em gotas de luz
que prescindem de downloads
ou itinerários.

Rosa dos ventos que brisas não permitiram
por magia demais no corpo dos cataventos,
doces perfumes perseguindo eternidade
para provar que o limite
é o gosto transubstancial
do infinito numa dimensão qualquer,
rio em filigranas que cumpre seu percurso
até um mar que beba seu destino
na conquista potável e nua em sede de dunas,
parte de um grande oceano que a tudo permeia.

A rede de Indra é somente
o sopro transversal de um beijo
no hálito morno aquecendo pedras no deserto,
travessia que perpassa um gosto de degredo
enquanto abraça o exílio do que perto está.

E a distância, apenas referência que aproxima,
mecânica celeste que não conhece
 mar, chão ou estrelas:
puro espaço do qual somos talhados
sem forma, traço ou lugar.





sábado, 9 de janeiro de 2016

Os Livros Proféticos



Aeon

                                                             a MLML

Fé na estrada que ruge de vez suas arestas
apontando torta um destino aos escalenos
e reduzindo toda meta e compasso
ao limite de um beco mordaz e sem saída!

Não. Traçarei novamente meu antídoto
e farei dele uma esquina para todos os mundos
armando o coração como um sabre de beduíno
para afagar as lâminas que abrirão caminho
pelo Mar Vermelho.

Meu sangue é meu preço
perante a chama do dragão impune que o tempo esconde
em relógios galvanizados por ímpeto de fogo tenaz
enquanto retinas persistem
num grito por Vulcano.

Que deus regurgitado rasparia esse cadinho?

Reinventar um mito que refaça a vida
do fundo do tacho de nossas esperanças!

Que resgate do mosto 
a louca embriaguez perdida
na miragem daquilo que um dia
 ousaram chamar razão.

Fênix de rastros que conhece de perto
a dança vibratória das najas fulminantes!

Restam dois enigmas para a esfinge:

- Este laboratório às escuras
não adivinha os efeitos da vida ao ar livre.

- Martelos, definitivamente,
não abrirão picada mato adentro.

Tudo é um fio colorido no espaço pela ilusão do tempo.

Resta-nos a obrigação de sermos grandes
apesar do limite de carne e sangue.

Ergue-nos a precisão de mais um sorriso a estender
nossa capacidade elástica além das medidas:
rugas e intempéries no rosto 
calmamente resignado
 à impiedade dos calendários.

Ressuscita-nos a febre da redenção conjunta
de todos os que assinaram nosso livro a ferro e fogo:
tatuagem imposta pelo dever de refletirmos estrelas unânimes
com a mesma clareza e dor
de todos os amanheceres ainda por vir.

É usar nova pintura de guerra e partir urgentemente!

A única certeza é que todo sol dói seus brilhos.

Apenas para adoçar essa comitiva de palavras
que me ensinaram a placidez das esfinges
e a abrangência silenciosa das pirâmides?

Não. Nenhum enigma é gratuito.

Tanto Jacó quando Hefesto pagaram seu fado telúrico:
um, pela bênção do Anjo
o outro, pela queda do Céu.
Ainda que em cânones diferentes
ambos mancaram sua vez.

Persisto.

Antes claudicar sob o céu de Tétis
a apostar cegamente em asas de cera.
Elas não forjam nenhum Olimpo
nem realçam o mármore lapidado de qualquer friso.