A Biologia dos Seres Alados
Cultivei algumas flores
de um aroma independente.
As ervas que tomaram de assalto o jardim
foram cortadas na manhã deste primeiro dia de primavera
enquanto abelhas sobrevoavam todo o tempo
atentas ao pólen essencial de cada uma das roseiras
e assim transplantaram, transcenderam
os limites visíveis do jardim sem muros
que sem asas eu não vi aberto.
Mas ouvi sentinelas dizerem
que toda a floresta está por florescer
e que na selva as feras cederam espaço
a um novo ecossistema de encanto.
Então numa dessas suaves manhãs de despertar
Deus finalmente dançará com as crianças.
Carrossel
Brilho pelo silêncio de futuros dias que virão.
Espero mudo palavras que me conduzam a um lugar
onde o barulho das armas não atinja os corações abertos.
Sei apenas que minha alma é flor de todos os dias,
de todas as estações e estrelas e sóis
e que ainda posso cantar o conteúdo
das atmosferas em transe por tempestades à risca
e olhar profundo a perspectiva da noite inteira
já que relâmpagos noturnos permitem
a visão aterradora da chuva em sua total poesia.
Meu coração é criança simples cantando no parque
perto dos balanços e do carrossel de madeira
em meio aos trovões e raios dos céus magníficos.
Uma criança malcriada que os deuses
estão ensinando silenciosamente a voar.
Varanasi
Um chamado me atende
e incomodado pela ausência
sou obrigado a voltar à eterna Varanasi.
Uma sentinela viva tomou forma
na cidade dos mortos.
Em Benares entrei como mendigo.
Hoje, em jejum, peço pelos famintos e loucos de Deus
e as chaves de Kashi me pertencem.
Sou aquele que tem acesso ao trono do mundo
e ama ser um escravo do Rei.
Ainda que tenha o tesouro
nada me pertence.
Lex Dei
As naves de Orion retornarão
para autuar o tráfego das direções
tomado pelos aeronautas cegos por tanta luz.
Nesse dia as insígnias serão incineradas
junto às piras dos uniformes dos guerreiros.
Todos estarão nus perante Deus.
Trégua
Passo em revista um olhar sobre os soldados
para estabelecer um vínculo estratégico
entre o fogo da batalha premente
e meu número restrito de guerreiros.
Pelos campos do Valhala há cheiro de suor e sangue
e os trapos desfraldados ao vento
são espantalhos testemunhas da paisagem nos estandartes.
Tenho cantado o clamor dos campos de guerra
como epopeias de brinquedo
que desmerecem a prática de cada verso
e não exercem as rédeas do domínio
cedendo aos caprichos dos moinhos
para desvantagem irrecuperável da infantaria.
Qual o sentido da batalha se a discórdia não me conduz
à conquista da linha de frente do meu próprio exército?
Reconhecer minha covardia enquanto general
tem sido a tática desta luta.
Enquanto engrenagem esta trégua se perguntou
pelo fim de todas as guerras
implorou a volta do sono mas não o terá,
inseriu-se pertinente pelas entranhas,
cúmplice reverberante de todos os desertores.
Mas à máfia do Hades
com essa canalha do degredo!
Passo em revista um olhar sobre os soldados
para estabelecer um vínculo estratégico
entre o fogo da batalha premente
e meu número restrito de guerreiros
Estou acenando à volta dos conflitos!
Assim eu também vivo a luta
entre as trevas que me prendem
e a redenção que é minha luz
e não considero o quanto o que é noite em mim
procura decifrar, noturna, o milagre do meu dia
querendo contrapor a lua ao sol.
Esta é minha pintura de guerra
e quero prolongá-la à exaustão de um tango
que será minha dança de combate comigo.
Seremos só nós dois sob as nuvens de um dia cinzento.
A chuva trará uma resposta a esse ritual.
Lavará os campos de batalha
onde depois plantarei trigo, milho e um vinhedo.
Cada colheita trará em seu íntimo os cantos de guerra silenciosos
que a água velou flexível do ventre negro da terra
e calará a fome de todos os meus guerreiros com seu pão
inebriando com seu vinho de amor minha doce amada
a quem então conquistarei quando sagrado herói de meu brinquedo.
Eclipse
O caminho até o sol
é extenuante e leve.
O suor que brincava em sulcos pela face
era apenas parte das leis terrestres,
como lágrimas ao contrário.
Um fogo incendiou minhas paisagens
e a rota dos tuaregues encontrou seu oásis numa praia
que nunca esteve nos mapas nem registros.
Segui uma das caravanas enquanto ainda era noite
e reconheci o cheiro de mar por trás do deserto
quando afinal amanheceu.
Então fui ter em todos os portos,
no Cais de Todos os Adeuses
apenas um limite visível para o mar,
limiar de dois mundos distintos e necessários:
Porto de Nenhuma Conclusão.
Dali me sagrei almirante, boto e Netuno.
Navegar, ainda que ilógico, sempre foi preciso.
Céus à vista, porque o resto é mar e travessias.
Instalação para o Circo do Sol
A sua presença sob as leis impenetráveis do sol
exige de mim a veracidade de quem faz parte da luz.
E se o brilho impiedoso de sua estrela
incendiar o palco de um pequeno universo
poderei em uníssono assistir flashes do Paraíso
insultando em sorrisos as trevas indomáveis
que habitam o pânico das jaulas pusilânimes.
Ode ao Luna Park
O que sabia sobre a vida o sentir e os seres
tem matizes diferentes
nas lentes deste novo telescópio.
Aprendi que o tempo é de uso exclusivo dos relógios
e que o jardim das temperaturas, por exemplo
concede sua primavera microscópica
às necessidades internas do paraíso rodopiante.
Um traço do mistério
reside no fato de que no caleidoscópio
as cores repetem o mesmo sentido em outra escala.
O outro conecta-se à ousadia de ler a vida
num filme mudo em sentido horizontal:
Carrossel telegráfico em dia de domingo.
A Geografia do Agora
Estradas que cruzam desertos... onde me levarão?
Venham todas as tempestades, o calor abrasante ou a sede.
Minha rota prosseguirá e tratarei de ser simples perante o sublime,
como no primeiro dia dos mundos.
Estradas que cruzam desertos
certamente não passarão ao largo das pirâmides
mas narrarão em seus quilômetros
a matemática solene dessa minha existência,
ainda que a esfinge não proponha qualquer enigma
ou exija que o segredo se decifre pelo espelho.
Estradas que cruzam desertos,
eu prossigo porque é minha sorte.
Se me doerem os pés continuarei de rastros
e marcarei a sangue um percurso luminoso nos caminhos.
Isso torna muitas vezes os deuses das areias mais propícios.
Reza a lenda que assim nos resgatam em aeroplanos.
Não importa. Eu continuo.
Vencida a fúria dos tuaregues
minha caravana conquista a febre das miragens
e parte em alegria silenciosa a traçar o próprio mapa desta saga:
solerte, alheia a princípios ou fins, sua geografia é o agora.
Gazal
Muitas vezes os degraus me levam ao porto
outras, me conduzem para o alto mar.
Quando as escadas sobem e descem
anjos me dão as mãos como no sonho de Jacó.
São essas, escadas dentro de escadas
e que me remetem à maior, em espiral.
É a que percorro há algumas vidas
e que termina sempre num novo começo.
Elaborada como um carrossel em giro pelo universo
ela requer um manual próprio de como evitar vertigens.
Dela, somos libertados pela construção de um par de asas
e pela extensão da via sacra de um verdadeiro sorriso
como aqueles que Leonardo nos legou e que riem para dentro.
Balada para uma Conquista
Pelo contrário do espelho
tenho mirado as vésperas de mim
e adiado meus exércitos
sedentos de outra guerra de reflexos
Jack in the Box
Minha alma de palha
suporta um espantalho
amigo dos pássaros
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