domingo, 16 de junho de 2013

Sobre o tempo de vinho e rosas...



A Biologia dos Seres Alados


Cultivei algumas flores

de um aroma independente.


As ervas que tomaram de assalto o jardim

foram cortadas na manhã deste primeiro dia de primavera

enquanto abelhas sobrevoavam todo o tempo

atentas ao pólen essencial de cada uma das roseiras

e assim transplantaram, transcenderam

os limites visíveis do jardim sem muros

que sem asas eu não vi aberto.


Mas ouvi sentinelas dizerem

que toda a floresta está por florescer

e que na selva as feras cederam espaço

a um novo ecossistema de encanto.

Então numa dessas suaves manhãs de despertar

Deus finalmente dançará com as crianças.



Carrossel


Brilho pelo silêncio de futuros dias que virão.


Espero mudo palavras que me conduzam a um lugar

onde o barulho das armas não atinja os corações abertos.


Sei apenas que minha alma é flor de todos os dias,

de todas as estações e estrelas e sóis

e que ainda posso cantar o conteúdo

das atmosferas em transe por tempestades à risca

e olhar profundo a perspectiva da noite inteira

já que relâmpagos noturnos permitem

a visão aterradora da chuva em sua total poesia.


Meu coração é criança simples cantando no parque

perto dos balanços e do carrossel de madeira

em meio aos trovões e raios dos céus magníficos.

Uma criança malcriada que os deuses

estão ensinando silenciosamente a voar.



Varanasi


Um chamado me atende

e incomodado pela ausência

sou obrigado a voltar à eterna Varanasi.


Uma sentinela viva tomou forma

na cidade dos mortos.


Em Benares entrei como mendigo.

Hoje, em jejum, peço pelos famintos e loucos de Deus

e as chaves de Kashi me pertencem.


Sou aquele que tem acesso ao trono do mundo

e ama ser um escravo do Rei.

Ainda que tenha o tesouro

nada me pertence.



Lex Dei


As naves de Orion retornarão

para autuar o tráfego das direções

tomado pelos aeronautas cegos por tanta luz.


Nesse dia as insígnias serão incineradas

junto às piras dos uniformes dos guerreiros.

Todos estarão nus perante Deus.



Trégua


Passo em revista um olhar sobre os soldados

para estabelecer um vínculo estratégico

entre o fogo da batalha premente

e meu número restrito de guerreiros.


Pelos campos do Valhala há cheiro de suor e sangue

e os trapos desfraldados ao vento

são espantalhos testemunhas da paisagem nos estandartes.


Tenho cantado o clamor dos campos de guerra

como epopeias de brinquedo

que desmerecem a prática de cada verso

e não exercem as rédeas do domínio

cedendo aos caprichos dos moinhos

para desvantagem irrecuperável da infantaria.


Qual o sentido da batalha se a discórdia não me conduz

à conquista da linha de frente do meu próprio exército?


Reconhecer minha covardia enquanto general

tem sido a tática desta luta.

Enquanto engrenagem esta trégua se perguntou

pelo fim de todas as guerras

implorou a volta do sono mas não o terá,

inseriu-se pertinente pelas entranhas,

cúmplice reverberante de todos os desertores.


Mas à máfia do Hades

com essa canalha do degredo!


Passo em revista um olhar sobre os soldados

para estabelecer um vínculo estratégico

entre o fogo da batalha premente

e meu número restrito de guerreiros


Estou acenando à volta dos conflitos!

Assim eu também vivo a luta

entre as trevas que me prendem

e a redenção que é minha luz

e não considero o quanto o que é noite em mim

procura decifrar, noturna, o milagre do meu dia

querendo contrapor a lua ao sol.


Esta é minha pintura de guerra

e quero prolongá-la à exaustão de um tango

que será minha dança de combate comigo.


Seremos só nós dois sob as nuvens de um dia cinzento.

A chuva trará uma resposta a esse ritual.

Lavará os campos de batalha

onde depois plantarei trigo, milho e um vinhedo.


Cada colheita trará em seu íntimo os cantos de guerra silenciosos

que a água velou flexível do ventre negro da terra

e calará a fome de todos os meus guerreiros com seu pão

inebriando com seu vinho de amor minha doce amada

a quem então conquistarei quando sagrado herói de meu brinquedo.



Eclipse


O caminho até o sol

é extenuante e leve.

O suor que brincava em sulcos pela face

era apenas parte das leis terrestres,

como lágrimas ao contrário.


Um fogo incendiou minhas paisagens

e a rota dos tuaregues encontrou seu oásis numa praia

que nunca esteve nos mapas nem registros.


Segui uma das caravanas enquanto ainda era noite

e reconheci o cheiro de mar por trás do deserto

quando afinal amanheceu.


Então fui ter em todos os portos,

no Cais de Todos os Adeuses

apenas um limite visível para o mar,

limiar de dois mundos distintos e necessários:

Porto de Nenhuma Conclusão.


Dali me sagrei almirante, boto e Netuno.

Navegar, ainda que ilógico, sempre foi preciso.

Céus à vista, porque o resto é mar e travessias.



Instalação para o Circo do Sol


A sua presença sob as leis impenetráveis do sol

exige de mim a veracidade de quem faz parte da luz.

E se o brilho impiedoso de sua estrela

incendiar o palco de um pequeno universo

poderei em uníssono assistir flashes do Paraíso

insultando em sorrisos as trevas indomáveis

que habitam o pânico das jaulas pusilânimes.




Ode ao Luna Park


O que sabia sobre a vida o sentir e os seres

tem matizes diferentes

nas lentes deste novo telescópio.


Aprendi que o tempo é de uso exclusivo dos relógios

e que o jardim das temperaturas, por exemplo

concede sua primavera microscópica

às necessidades internas do paraíso rodopiante.


Um traço do mistério

reside no fato de que no caleidoscópio

as cores repetem o mesmo sentido em outra escala.


O outro conecta-se à ousadia de ler a vida

num filme mudo em sentido horizontal:

Carrossel telegráfico em dia de domingo.



A Geografia do Agora


Estradas que cruzam desertos... onde me levarão?

Venham todas as tempestades, o calor abrasante ou a sede.


Minha rota prosseguirá e tratarei de ser simples perante o sublime,

como no primeiro dia dos mundos.


Estradas que cruzam desertos

certamente não passarão ao largo das pirâmides

mas narrarão em seus quilômetros

a matemática solene dessa minha existência,

ainda que a esfinge não proponha qualquer enigma

ou exija que o segredo se decifre pelo espelho.


Estradas que cruzam desertos,

eu prossigo porque é minha sorte.

Se me doerem os pés continuarei de rastros

e marcarei a sangue um percurso luminoso nos caminhos.


Isso torna muitas vezes os deuses das areias mais propícios.

Reza a lenda que assim nos resgatam em aeroplanos.

Não importa. Eu continuo.


Vencida a fúria dos tuaregues

minha caravana conquista a febre das miragens

e parte em alegria silenciosa a traçar o próprio mapa desta saga:

solerte, alheia a princípios ou fins, sua geografia é o agora.



Gazal


Muitas vezes os degraus me levam ao porto

outras, me conduzem para o alto mar.

Quando as escadas sobem e descem

anjos me dão as mãos como no sonho de Jacó.


São essas, escadas dentro de escadas

e que me remetem à maior, em espiral.

É a que percorro há algumas vidas

e que termina sempre num novo começo.


Elaborada como um carrossel em giro pelo universo

ela requer um manual próprio de como evitar vertigens.

Dela, somos libertados pela construção de um par de asas

e pela extensão da via sacra de um verdadeiro sorriso

como aqueles que Leonardo nos legou e que riem para dentro.



Balada para uma Conquista


Pelo contrário do espelho

tenho mirado as vésperas de mim

e adiado meus exércitos

sedentos de outra guerra de reflexos



Jack in the Box


Minha alma de palha

suporta um espantalho

amigo dos pássaros




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