Do ponto mais alto em Apollo
Longas espirais formadas por vinhedos, montanhas e planícies
são meu abrigo, caminho distante que me traz mais para perto
e me lembra a dimensão divina da minha alma latejando.
Assim também a pequena erva que oscila alegre
pelos caminhos da próxima colina e as pequenas borboletas ocres
são uma face plácida do rosto de Deus aqui.
Batem os sinos as seis horas da tarde,
uma prece que agora cumpro sem palavras
e que mesmo os mais belos poemas não ultrapassam.
Canto a vida que fora agora se celebra
e este silêncio anunciado que dentro se prontifica.
Raga
As cordas deste instrumento, belas e alegres
como o som dos grilos que surgem todas as noites,
encantam estrelas quietas repetindo o céu absolutas
na lucidez fria dos lagos ao redor.
Houve um tempo em que não toquei
para depois poder me perder em mil canções.
Hoje a música visita um universo entre meus dedos.
Respiro o sol e ele me sorri ecoando aqui dentro
e refletindo quieto o dia que minha alma canta
como um outro lago traçado nas notas da paisagem.
As nuvens incomuns num céu de Agosto
Nuvens incomuns num céu de agosto.
Meu coração que ansiava nestes dias
por um entardecer avermelhado
bateu junto com o sol em brasas
pondo-se atrás dos grandes carvalhos da colina.
As árvores suspensas sobre um tapete dourado de folhas
que o verão impiedosamente seco transforma
em efeitos de uma visão que flutua em têmperas.
Assim também calam-se as supostas vozes da minha floresta
Porque todos os pássaros decidiram o destino da paisagem.
Acima de mim o universo sideral.
Quem sou eu aqui parado se não estiver presente a tudo isso?
Vultos negros de pinheiros e palmeiras
contra um fundo azul perdidamente encontrado de estrelas.
Emaús
Quem são estes dois homens caminhando pela estrada?
Levam bagagens no escuro mas parecem
voar pela noite sob um céu de mil estrelas.
Quem são estes dois homens como duas rimas
percorrendo a estrada como num poema?
Para onde vão nesta madrugada?
Pássaros noturnos transportando o dia,
conversando vivamente como se não dormissem jamais.
A pista é estreita e eles continuam amplos.
O tempo é contado e eles sorriem mistérios.
Nenhuma dimensão confunde
seus passos precisos que vão para onde.
Preciosas pegadas ficarão quando o dia amanhecer.
Outros perguntarão:
- De quem são essas marcas que algumas vezes se mesclam
e parecem ser apenas uma?
Como dois versos rimando ao longo da estrada
dizem que vão para dentro,
vindos de uma jornada ao longo do dia.
Enquanto isso a lua amarela
beija o lago frio da madrugada
e deles, não se sabe quem vai ou quem fica.
Ainda que duas asas jamais se encontrem
elas pertencem ao mesmo voo
e fazem voar o mesmo pássaro
Oração para um céu de outono
E talvez o que de mais real possa dizer
seja sobre o reflexo do sol através das folhas
dos plátanos deste começo de outono,
tornando-as transparentes e translúcidas:
mosaicos de luz e clorofila num final de tarde.
Que meu coração, uma folha na Arvore da Vida
tenha a quietude necessária perante todas as estações
e saiba secar quando chegar sua hora de inverno
e florescer na devida primavera
para voar no outono e ser semente de outro mundo:
anjo sem tempo vestido de natureza algum dia.
Que eu possa ser simples como um céu
com a grandeza interior de um Cheyenne
e sublime como a última estrela e a primeira,
apenas astros que brilham e mais nada,
sem qualquer hierarquia priorizando os holofotes.
Que meu amor, como um pomar após sua colheita
saiba contar sobre cada centímetro de terra para depois esquecê-la,
ocupado apenas em germinar novamente e amar ainda mais
quando a chuva, voltando, vier me lembrar de ser feliz.
Autorretrato
Poucas histórias poderia contar.
A maior parte delas seria inenarrável e a melhor de todas
fica disponível neste instante de verso que transgride
o acaso de qualquer canção que pudesse atravessar.
Poucas histórias narrariam
a subida e ao mesmo tempo os tropeços
deste pequeno gólgota que tem pulsado firme
ao vento e sombras de uma música sem limites
partindo direto para alguma suposta ressurreição.
Precisaria do matiz rubro de mil tintas negras
para contar do sangue e da derrota confinados
apenas para compor um hino bélico onde não houvesse luto.
Hoje há apenas uma doce canção de paz que me acorda
colhendo pequenas e anônimas flores pelos caminhos da vinha
em monossílabos que suplantam universos
a cada teorema proposto.
Que mais resta a dizer se me despi?
Anjo ao acaso e sem tempo,
olho a trajetória das aves que neste inverno surgem
rumo a outras novas matemáticas de vento sem palavras.
Entrecortado neste amargo adeus há algo que migra
enquanto outra parte se redime num país sem estações.
Aqui todas as fontes são de eterna primavera
e os pássaros, dádivas livres de todos os verões:
Encanto sublime de toda revoada
aberta para o sol de todos os trópicos
Adágio sob um céu de cobre
Sob o teto de um céu cáustico e entorpecente
errei a porta todas as vezes
e não encontrei senão os desertores dos oásis prometidos
parados na Praia da Conquista
e a água procurada, distribuída entre os degredados em pleno meio dia
hora em que o sol não projeta sombras
e os culpados se ocultam na massa disforme
desse exército covarde em sua guerra de reflexos.
Não se ensaia um tango consigo mesmo por engano fardo
nem da morte se prescrevem imediatas receitas
se dela sempre um inédito fato se anuncia
entre as hordas de tuaregues acontecidos desta caravana.
Mas um homem de Deus é eleito enfim
para ascender em seu convívio por destino aceito.
Bordei numa colcha de cetim nesta manhã de domingo
todos os retalhos tortos do que aprendi hoje cedo.
Preguei botões de prata nas casas do medo que senti ontem
e desfiz o nó de várias velhas gravatas coloridas
num brechó de palhaços que encontrei aqui ao lado.
Quando olhei firme pela janela do firmamento neste outono
vi os mesmos cegos parados no porto sem nenhuma conclusão...
Enquanto eles discutiam o próximo acerto de inverno
uma onda sussurrou abusada
o melhor passo a retroceder: dali mesmo!
Não sei o que isso pôde dizer à sua noite de febre duvidada;
há males que vem para o bem:
Os danos do ultimo Dilúvio
Lavaram a urina dos muros
Ciranda Muiraquitã
a João Guimarães Rosa
Era uma vez uma concha que abrigava em seu íntimo calcário
toda a imensidão do oceano em noites de estrelas.
E os navegantes incautos que tocaram sua superfície branca
ouviram as histórias de ondas e mares distantes
que sua voz de tímpano contava
sobre marinheiros de ébano curtidos a sol e sal
em sua bravura de beleza embriagada.
E a concha abrigava em seu íntimo todos os sete mares
e a imensidão dos olhos do menino que lhe encantava mineral, o fado.
E contava o menino aos almirantes a postos
da concha que era o próprio mar em que estavam e ouviam...
E em suas canções de criança todos os oceanos eram resposta clara
à sua voz de Arcanjo Gabriel quando chamou Maria.
E todos os oceanos a postos se continham gotas
no interior da concha acústica de cálcio. Puro desejo.
E vai que um dia o menino acorda em outra concha
por direito de lenda ser e agir de acordo.
E a concha...
Mas qual delas, diria o poeta para além da história
com sua voz marinheira, também de anjo...
Dizem que mesmo em sagas assim difuso
um deus movido a sol e sal
mostra-se Rei. E é tudo.
Pouco sabemos da natureza fugaz da criança
que tece mistérios que nem o mar comporta.
Mas sabemos o gosto do Absoluto
de sabor inconfundível, fantástico e exato.
Além do mais, ele era boto, almirante e Netuno.
E era menino, sabia tudo.
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