domingo, 16 de junho de 2013

O Livro das Revelações


                                                                                                                        

Alfa


Além do universo visível

reside a memória dos deuses,

pérolas a quem servimos

ainda como o rude das ostras.



Visão


Quando eu finalmente beijar meus espelhos

sem que a miragem quebre-se em meus lábios

saberei que será a hora da neve cobrir

as pegadas deixadas pelo acaso sem tempo.


Haverá um paraíso em cada olho

e o alcance deles, aos meteoros

suplantará em brilho o incômodo estático

de qualquer resquício ou qualquer inferno

que porventura possa ter construído

em delírios ou sonhos.



Raga


Beijamos o céu

enquanto nossas bocas ainda cantam

o arado entre dentes da última colheita

e o trigo amarga lêvedo seu futuro de pão entre as estrelas.


Na rotunda brinca um sorriso pintado de cenário

e das coxias

ainda que às plateias famintas seu texto não atenda –

Deus sussurra breves canções de êxtase

falando do significado dos mundos: maná plausível!

Não há noite, tarde ou dia

nem quem atue ou assista.


Regras mecânicas cumprem

vagando espirais da eternidade

sua rota a nos impor limites e chão.


Que a revelação de um amanhecer redentor nos atravesse!

Invadam finalmente as crianças

os parques abandonados onde já brincamos um dia

e que o ranger dos balanços agora

coincida com uma revoada de pássaros livres.


Assim, a fúria dos deuses implacáveis

irá ninar os vampiros

para depois decepá-los em seus leitos de morte

Então surgirá Adlux e sua legião de arcanjos

para cantar durante o pesadelo

e brincar com as crianças

transformando o pavor trôpego

no puro ritmo a devorar espaços

que existe nos balanços e no coração que oscila.

A referência é um pêndulo;

Permitam jardins ao redor das indústrias e automóveis!

depois, e só depois, quebrem todos os relógios!



A Fonte dos Desejos


Adônis me conduzia

e, buscador ingênuo, cheguei enfim

à Fonte dos Desejos

e pedi meu antigo rosto.


"Qual deles?" perguntou-me a voz da fronte

de ser humano e de ser água

da voz da Fonte.


Traga de volta o mais belo,

o da primeira juventude!


"Não seria esse o mais belo.

Se o mais belo é o que pediste

não é ele o dessa idade.

Queres, dentre todos, aquele

que em realidade é o mais belo?"


Sim, respondi, eu quero!


"Pois olha teu rosto na Fonte e vê:

que o teu mais belo rosto é este:

o de hoje,

cujo sopro anima o presente

que agora sustentas

a esta parte do teu próprio tempo

como ser na Terra.

Beija, pois, tua fronte

e celebra

a tua vida

o teu destino

que aqui te trouxe

a ouvir teus desejos na Fonte.

Beija. Beija tua própria boca na água da Fonte!"



Epithalamium


Poderia compor uma canção neste momento

para que o lirismo transformasse a justiça dos deuses

numa moldura confortável.

Mas a sede de ser humano e de ser tosco

me encontra aqui, impávido perante o alto

mergulhado no limite do que compreendo.


Tudo o que sei é o que vivo, quando muito!

E minhas verdades não sustentam sua gramatura na balança

porque não sou, não estou, não comporto.

Pesa um estreito mas ainda há amplitudes e relevos em minhas pinturas.


Às vezes vou até o mar e os ventos trazem consolo

Mas jamais ecoam a voz dos que se foram.


As conchas são monocórdios e o mar não conforta.


Então começo tudo outra vez em branco

compondo novas canções para amigos que continuam partindo

príapo impotente perante urgência de prazer e despedidas,

encomendando pincéis junto ao próximo entardecer

enquanto os jornais imprimem a vida em preto e branco todos os dias,

cantando as musas durante o pesadelo para honrar as horas de batalha,

todas elas, da que se faz pelo pão cotidiano

à que se é pelo pão da vida consubstancial.

Nem uma vírgula vã!



Do Porto e suas Vozes


Todos os adeuses traduzem palavras não proferidas,

mensagens que os oceanos não souberam guardar do eco das ondas,

as conchas não puderam repetir às crianças que brincavam na praia

e aves do entardecer consideraram um capricho

escrito nas areias rosadas de um verão.


Distante dos que ama e que no porto o esperam,

guarde dentro de sua bagagem cigana e hermética

um livro de poemas para ler ao acaso e sem tempo,

mais perto do universo em expansão que de sua cama,

mais eloquente em presságios que os oráculos de Delfos em acertos,

alegre por considerar a trajetória dos voos dos aeroplanos

um reflexo cósmico das gaivotas em transe e mais nada.


Um coração magnífico ri seus internos

enquanto o tempo costura meias de viagem quase por descuido

e outros seguem o compasso do relógio

no mesmo ritmo que o coração impávido suporta a violência dos ponteiros,

como o poeta negro Edu Natureza

escreveu um dia nas paredes de um viaduto.


Mas se sua alma for livre e isenta,

alheia a aeroportos ou canções de despedida,

então sim a luz falará por si mesma,

solta como alguém que esperasse amanhecer no mar

indiferente aos navios e seus tamanhos,

encantada com o brilho e humildade absoluta das estrelas

que ainda estivessem ali…


Silêncio. É a vez do sol no poema.



Ode a Walt Whitman


Do meu pequeno quarto uma janela abre-se para o mundo

e contemplo livre o sabor de uma nova estação

na dimensão sonora e reverberante de uma tarde de domingo.


Crianças brincando perto e um cão latindo ao longe,

aviões que porventura passam e fogos de artifício celebrando alguma vitória

porque isto é o que está à minha frente:

A paisagem de um recanto qualquer numa cidade do Brasil

um dia antes do aniversário de Walt Whitman.


E daqui, sem o alarde dos fogos,

quero também celebrar minha vitória sobre mim mesmo

cantar o prazer de ouvir os sons mais usuais

com ouvidos atentos de quem descobrisse

a graça da chuva caindo sobre as folhas

mas de uma forma que ainda tivesse surpresa e impacto

como no primeiro dia dos mundos recém criados por Deus.


A vida que passa pode ter um encanto oculto por trás da cena,

das notícias do mundo ao barulho dos vizinhos

dos freios dos automóveis a uma criança que chora sabe-se lá onde.


Que a bruxa se entretenha com seus próprios caldeirões!

Olhemos a estrada com olhos de fada madrinha!

Então a varinha de condão poderá ser de utilidade e valia

e o caminho será fartamente coberto pelas flores

lembrando Delos, no dia do nascimento do deus Apolo.

Assim como Leto, a de áureas tranças, depois de tantas tempestades,

poderemos reconhecer finalmente que o propósito da vida

é enobrecer a poesia e evocar o divino.

E poderemos nós também gerar os deuses gêmeos.

Só o sagrado conta, assim como a alma,

que é tudo o que se perpetua

e este momento, que é tudo de que dispomos.


Só o sagrado em nós permanece.



Esfinge


Com um sorriso que ri para dentro

sigo estradas que me levam onde sequer planejei.

Como quem voasse em círculos ao entardecer

rio para dentro quando penso na amplitude de céus por conquistar

e os círculos de voo transformam-se em espirais ascendentes

na direção de todos os paraísos e pássaros que desconheço.


Eu não teria a sabedoria dos arquitetos

para planejar a pavimentação das ruas

que a simplicidade dos anjos em curso agora me aponta

em pedrinhas de brilhantes

nem teria também a consistência dos alicerces

ou a leveza inenarrável dos aeroplanos

para manter a trajetória dos aeroportos em transe.


Meu destino é não saber a cor da próxima manhã

e ainda assim esperar por um sol que seja claro

para brilhar no céu do meu país interior.


Sei que o alimento que porventura me atende

contém a receita intransponível do segredo

e não tenho como plantá-lo eu mesmo:

ele cai do céu como um maná que as estrelas concedem

e milhões de outras galáxias ordenam.


Voar me sustenta ao mesmo tempo que me apavora.

Sigo avante porque meu destino pássaro me trouxe

e voar é a condição daqueles que são alados pela conquista

onde a decolagem se faz ao sabor de uma canção.



Ômega


Atrás das pilastras do tempo

reside um deus cego e surdo

alimentado a migalhas e água de chuva.


Por vezes sua voz insurge-se do branco dos mármores

e ele canta alguma saga que ouviu contar

em seus sonhos de almirante.


Meus soldados ainda não aprenderam

essa linguagem de pedra

porque não sabem que são mudos.


Algum dia, após muitos dilúvios

as cidras serão maceradas em vinhos embriagantes

e Deméter trará sua colheita de trigo

distribuindo pães entre personagens famintos.

Será um sinal da formação rija

de um exército quixote

a conquistar enciclopédias adentro

loucos moinhos de vento e girassóis ao sol.




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